Sem jeitinhos
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Correio Braziliense/Nacional - Opinião
terça-feira, 15 de setembro de 2020
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Sociólogos afirmam que os povos têm marcas. Fruto de
fatos que lhes carimbaram a trajetória, tornam-se
característica contra a qual parece inútil lutar. O traço --
tão natural que poucos se dão conta da
excepcionalidade -- impera em diferentes níveis
políticos, econômicos e sociais. Entre os brasileiros,
chama-se jeitinho.
Tido por muitos como sinal de criatividade, é prática
cujas raízes remontam ao período colonial. Os pobres,
impossibilitados de ascender socialmente, convidavam
poderosos para lhes batizar os filhos. O "compadre",
então, concedia um ou outro favor aos pais do afilhado.
Até o Congresso apelou para a esperteza. Na busca de
atalhos para obter vantagens particulares, criou o
"jabuti". São emendas estranhas ao que dispõe medida
provisória ou projeto de lei em tramitação. Como o réptil
que dá nome ao procedimento não sobe em árvore,
alguém o põe lá. O alguém é o deputado ou o senador.
Foi o que ocorreu com o Projeto de lei 1.581/2020. O
texto, aprovado em agosto, regulariza descontos em
pagamento de precatórios. Emenda do deputado David
Soares (DEM-SP) -- filho do fundador da Igreja
Internacional da Graça de Deus -- concede perdão às
dívidas tributárias de igrejas e templos, além de isenção
das contribuições previdenciárias.
Em outras palavras: as igrejas ganhariam triplamente.
Ficariam isentas do pagamento da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido (CSLL), seriam anistiadas das
multas recebidas por não pagar a taxação e ainda
perdoadas pelo não pagamento da contribuição
previdenciária.
O presidente Jair Bolsonaro vetou parte do perdão das
dívidas constantes da proposição. Medida acertada,
sugerida pela equipe econômica. Como reconheceu
nota a Secretaria-Geral da Presidência da República,
"alguns dispositivos não atenderam as normas
orçamentário-financeiras e o regramento constitucional
do regime de precatório".
Embora fosse o esperado, pelas redes sociais, o
presidente explicou que o veto se impunha para evitar o
cometimento de crime de responsabilidade. E sugeriu
que o Congresso o derrube. Espera-se que não o faça.
O Brasil precisa reduzir as isenções, que aprofundam as
desigualdades e as injustiças que o afastam das
práticas republicanas. Se todos são iguais perante a lei,
o desafio é outro: pôr fim aos mais iguais. Sem jeitinhos.
Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
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