Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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possui, desta vez, uma estrutura estável, podendo-se, para cada combina-
ção, extrair uma lei do casamento que nos informa completamente so-
bre a natureza das trocas no grupo considerado_ Reservaremos o nome
de clã aos grupamentos unilaterais cujo caráter exogâmico admite uma
definição puramente negativa, e daremos o nome de classe, ou mais
exatamente de classe matrimonial, aos grupos que permitem uma deter-
minação positiva das modalidades de troca_
A distinção entre as duas formas nem sempre é fácil. Existem clãs
que não têm nenhum dos caracteres próprios das classes, assim por
exemplo os clãs dos Tupi-Cawahib do Alto Madeira, cada um dos quais
se compõe de uma ou várias aldeias que ocupam um território here-
ditário_ Estes clãs são aproximadamente vinte e a regra do casamento
limita-se à recomendação de casar-se fora_ Deste modo, cada clã está
obrigado a manter relações matrimoniais com vários outros, sem limi-
te de número, sem constância nas alianças e sem preferência marcada
por esta ou aquela combinação_ Não se pode evidentemente dizer, num
caso deste gênero, que o clã não é uma unidade funcional. Realmente
é pelo simples fato de seu caráter exogâmico. Mas este papel funcional
reduz-se ao minimo, ao passo que os fatores que determinam o número
de clãs, o aparecimento e o desaparecimento deles, sua localização geo-
gráfica e importância numérica são sobretudo de ordem histórica.'
No caso dos Bororo, a que já fizemos alusão", a situação já é mais
complexa. Os clãs são desiguais em númerO e em importância, sua dis-
tribuição e mesmo a estrutura interna variam de aldeia para aldeia.
Entretanto, os clãs são sempre distribuidos entre duas metades exogã-
micas e duas outras metades de caráter cerimonial. Além disso, os clãs
parecem ligados dois a dois ou em combinações mais complexas por
preferências matrimoniais, que contudo não têm caráter rigoroso. Es-
tamos portanto em face de categorias sociais que partiCipam ao mesmo
tempo dos caracteres do clã e da classe, sem que esses caracteres se
superponham completamente. Entre os Katchin da Birmânia, ao contrá-
rio, os grandes grupamentos que regulam o casamento são simultanea-
mente clãs e classes.' Finalmente, encontramos na Austrália classes ma-
trimoniais que não são clãs, uma vez que os membros sucessivos de
uma mesma filiação podem distribuir-se entre classes diferentes.'
A distinção tem no entanto grande importância teórica. Porque se
quisermos interpretar a organização dualista como um caso particular
da organização clânica, e, mais precisamente, equiparar as metades a
um sistema de n clãs, para um valor de n :::; 2, encontraremos dificul-
dades insolúveis. Enquanto tinhamos n > 2, a noção de clã não se acom-
panhavÍ1 de nenhuma determinação positiva, ou de determinações muito
vagas. Mas, desde que o número de grupos cai a 2, tudo muda. As de-
terminações negativas transformam-se em positivas. Em vez de saber que
não é possível casar-se em um grupo, fica-se sabendo que é preciso ca-


  1. C. Lévi-Strauss, The Tupi-Kawahib, op. cito

  2. Cf. p. 57. - Os mundurucus têm igualmente metades exogãnicas compostas.
    uma (Metade Branca) de dezenove clãs, outra (Metade Vermelha) de quinze elas.
    Segundo a lenda esses clãs são antigas tribos rivais que se tornaram "irmãos".
    Existem além disso clãs que mantêm relações mais estreitas e são chamados i-baríp,
    "parentes" (A. Kruse, Mundurucu Moieties, Primitive Man, voI. 7, n. 4, 1934).

  3. Cf. capo XV.

  4. Cf. capo XI.


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