Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

CAPITULO VII


A Ilusão Arcaica


Procuramos até agora delimitar, de maneira sem dúvida provisória e es-
quemática, certos quadros muito gerais da vida social aos quais pudés-
semos ligar, esta instituição universal que é a proibição do incesto e
os diferentes sistemas de regulamentação do casamento que constituem
as modalidades dela. Estamos ainda na fase da instalação e do esboço,
não tendo ainda chegado o momento de trazer uma demonstração, que
só se poderá procurar neste livro considerado como um conjunto, e jul-
gar segundo o grau de coerência com que tivermos conseguido interpre-
tar os fatos. Contudo, devemos deter-nos um instante e refletir sobre
nossas premissas. Afirmar, como fizemos no último capítulo, que um es-
tado histórico ou geográfico não poderia esgotar o problema da origem
das organizações dualistas, e que se deve apelar, a fim de compreendê-
las, para certas estruturas fundamentais do espírito humano, seria uma
proposição sem sentido, se fôssemos incapazes de perceber em que con-
sistem estas estruturas e qual o método que nos possibilita atingi-las e
analisá-las. Sem querer empreender aqui um trabalho para o qual o so-
Ciólogo está ainda muito imperfeitamente preparado, acreditamos indis-
pensável fazer nesta direção uma prospecção rápida, mas que será su-
ficiente, se os primeiros resultados indicarem que o empreendimento não
é completamente sem objetivo.


Em que consistem as estruturas mentais para as quais apelamos e
cuja universalidade acreditamos poder estabelecer? São, parece, em nú-
mero de três: a exigência da Regra como Regra; a noção de reciproci-
dade considerada como a forma mais imediata em que possa ser inte-
grada a oposição entre o eu e o outro; enfim, o caráter sintético do
dom, isto é, o fato de que a transferência consentida de um valor de um
indivíduo para outro os transforma em parceiros, e acrescenta uma qua-
lidade nova ao valor transferido. A questão da origem dessas estruturas
será retomada mais adiante. A [questão 1 de saber se são suficientes para
explicar os fenômenos só pode receber uma resposta dada pelo conjunto
de nosso trabalho. Queremos somente pesquisar aqui se elas existem,
captá-las em sua realidade concreta e universal. É com este fim, aliás,
que até agora nos abstivemos de construir nossa hipótese com auxilio
de exemplos excepcionais, ou que parecem tais, em razão do altíssimo
grau de perfeição a que esta ou aquela sociedade indigena levou a rea-
lização deles. Ao nos referirmos, a fim de destacar certas estruturas fun-
damentais, à nossa própria sociedade e a incidentes aparentemente fúteis


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