Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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melhor. relatam os indígenas. "abrir o olho para não receber um mau
golpe". Ao cabo de um momento alguém gritava: "Basta, basta! Acomo-
demos isto por meio de um casamento ou então pobres de nós!" 'Cele-
bravam-se os ritos de pacificação, seguidas de invocações aos deuses e
aos antepassados. "Nós vos invocamos, antepassados, porque nós, que
éramos illlmigos, estamos fazendo a paz... Fazei com que as crianças
que vão se unir pelo casamento (para põr fim a esta hostilidade) não
fiquem inválidas ou obesas, etc." 33 Assim, pois, para tornar possível o
casamento no interior do grupo exógamo este é quebrado, ou pela me-
nos simula-se tal ruptura. Pensamos nas popUlações da Nova Bretanha,
onde as metades são chamadas "fronteiras do-casamento" H, ou nas de
Guadalcanal, divididas em metades exogâmicas, e nas quais o casamento
entre membros da mesma divisão chama-se "quebrar a metade". 35 Os
mesmos mecanismos encontram na Afriea, conforme vimos, um terreno
muito geral de aplicação.
Este caráter funcional da organização dualista nem sempre é tão
manifesto quanto no exemplo seguinte, tirado de uma região onde os ca-
samentos se fazem habitualmente entre aldeias, e onde a aldeia inteira
participa do pagamento do preço pelo casamento de algum de seus mem-
bros. Mas numa localidade onde casamentos no interior da aldeia tinham
sido realizados, uma fileira de troncos dividia a aglomeração em duas
metades. Estas duas metades comportavam-se entre si de acordo com as
formas prescritas para as relações entre duas aldeias aliadas. Todas as
vezes que se tratava de concluir um casamento fora, as duas metades
esqueciam sua divisão e colaboravam, cada qual trabalhando para o su-
cesso dos empreendimentos da outra, colocando em comum todos os
seus bens. Em compensação, continuavam a partilhar, para trocar em
seguida entre si suas partes respectivas, quando o casamento se realiza-
va no interior da aldeia. 36 Vê-se assim desprenderem-se, num plano pu-
ramente empírico, as noções de oposição e de correlação, de que o prin-
cipio dualista define o par fundamental, princípio este que é apenas
uma modalidade do princípio de reciprocidade.


  1. R. F. Barton, The Religion of the Ifugaos. Memoirs 01 the American Anthropo-
    logical Association, n. 65, 1946, p. 164-165.

  2. J. W. Trevitt, Notes on the Social Organization of North-east Gazelle Peninsula,
    New Britain. Oceania, vOI. lO, 1939-1940.

  3. H. Ian Hogbin, The Hill People of North-eastern Guadalcanal. Oceania, vaI.
    8, 1937·1938, p. 78.

  4. R. F. Fortune, Sorcerers 01 Dobu, p. 61.


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