Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

meço florescia pura e intacta a lógica "arcaica", comete o erro do hyste-
ron proteron' ". 21 As conclusões de Wallon, com pequenas diferenças, são
semelhantes 28 J assim como as de Guillaume: "Não se deve crer em não sei
que misteriosa necessidade interna que faria a evolução individual voltar
a passar por todos os caminhos tortuosos da história ... A "repetição"
ontogênica é uma falsa história, sendo mais uma seleção de modelos ofe-
recidos pela lingua em seu estado atual. .. ""
Sem dúvida, Piaget sempre procurou defender-se de eventuais cen-
suras deste tipo, mas seu esquema geral de interpretação não está à
prova da crítica. Uma citação recente, que julgamos não poder abreviar,
resume perfeitamente o equívoco. Mirmando a existência de convergên-
cias limais numerosas do que parece", entre "o pensamento propriamen-
te conceitual da criança e o das sociedades primitivas ou antigas", Piaget
escreve: "É possível invocar as notáveis semelhanças entre o começo do
pensamento racional na criança de sete a dez anos e entre os gregos: a
explicação por identificação de substâncias (os astros que nascem do ar
ou das nuvens, o ar e a terra que provêm da água, etc.), por um ato-
mismo derivado dessa identificação graças aos esquemas da condensação
e da rarefação, e até a explicação exata de certos movimentos pelo cho-
que de retorno do ar âvwt'Q[ommç, de que se servia Aristóteles. Será pre-
ciso então admitir que os "arquétipos" que inspiraram o começo da
física grega encontram-se hereditariamente na criança? Parece-nos infini-
tamente mais simples nos limitarmos a supor que os mesmos mecanismos
genéticos que explicam o desenvolvimento do pensamento da criança apli-
caram-se já ao desenvolvimento de espiritos que, como os primeiros pré-
socráticos, mal estavam se destacando do pensamento mitOlógico e pré-
lógico. Quanto ao esquema da "reação ambiental", parece não ter sido
Aristóteles que o construiu, tendo-o tomado das representações correntes,
que pOdiam ser tão espalhadas em uma civilização anterior ao maqui-
nismo quanto são nas crianças de hoje em dia".
"Em suma, onde há convergência entre o pensamento da criança e
as representações históricas é muito mais fácil explicar estas últimas
pelas leis gerais da mentalidade infantil do que invocar uma hereditarie-
dade misteriosa. Por mais que se remonte na história ou na pré-histó-
ria, a criança sempre precedeu o adulto, e é possível além disso supor
que quanto mais primitiva é uma sociedade, mais duradoura é a in-
fluência do pensamento da criança sobre o desenvolvimento do individuo,
porque a sociedade não está então em condições de transmitir ou de
constituir uma cultura científica". 30


Toda esta passagem constitui uma critica da hipótese do Inconsci-
ente Coletivo de Jung. Mas interessa-nos por outro aspecto. O A. afirma
que as sociedades primitivas estão mais próximas da mentalidade in-
fantil do que a nossa. Os fatos que citamos no começo deste capítulo
aparentemente confirmam esta maneira de ver. Mas julgamos que é ne-
cessário interpretá-los de outra maneira.



  1. K. BUhler, L'Onomatopée et la fonetion du langage, em Psychologie du langage,
    Paris 1933, p. 118-119.

  2. H. Wallon, Le Réel et le mental. Journal de Psychologie, vaI. 31, 1934.

  3. P. Guillaume. Le Développement des éléments formeis dans le langage de l'enfant.
    Journal de Psycholo"ie, vol. 24, 1927, p. 229.

  4. J. Piaget, La Formation du symbole chez l'entant, Neuchâtel e Paris 1945, p. 211.


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