Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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zadas do que o contrário: "a criança não possui ainda o sistema de
conhecimento capaz de prevenir as regressões ao mundo das fantasias e
do egocentrismo, abaixo do nível do pensamento racional"." Duas con-
clusões podem tirar-se dessas observações. Primeiramente, que o pensa-
mento da criança não funciona de maneira substancialmente diferente do
pensamento do adulto, e em segundo lugar que todos os elementos da
vida social acham-se dados desde o inicio da vida infantil: "os fios do
desenvolvimento social podem ser seguidos para a frente e para atrás, e
embora a imagem que deles é possível fazer de acordo com crianças
de idade, por exemplo, de seis ou sete anos sej a diferente por muitos
aspectos da que é oferecida por crianças com a idade de dois anos, não
é de maneira alguma essencialmente nova"."
Não é por conseguinte devido ao fato das crianças se diferenciarem
dos adultos no duplo ponto de vista de sua psicologia individual e de
sua vida social, que oferecem excepcional interesse para o psicólogo e
para o sociólogo. Ao contrário, é porque, e na medida em que, se as-
semelham aos adultos. Sem dúvida a criança não é um adulto. Não é tal
nem em nossa sociedade nem em nenhuma outra, e em todas está igual-
mente afastada do nivel de pensamento do adulto, de tal modo que a
distinção entre pensamento adulto e pensamento infantil recorta, se é pos-
sível dizer, na mesma linha, todas as culturas e todas as formas de oro
ganização social. Não é possível estabelecer nunca coincidência entre os
dois planos, mesmo quandO se escolhem exemplos tão afastados quanto
quisermos no tempo e no espaço. A cultura mais primitiva é sempre
uma cultura adulta, e por isso mesmo incompativel com as manifesta-
ções infantis que se pode observar na mais evoluida civilização. Igual·
mente, os fenômenos psicopatológicos no adulto são próprios do adulto,
sem nada de comum com o pensamento normal da criança. Os exem-
plos de "regressão", aos quais a psicanálise deu tanta atenção, segundo
nosso modo de entender devem ser considerados por um prisma diferente.
Estes exemplos, os que nós mesmos citamos no começo deste ca-
pitulO e também aqueles sobre os quais Jung fundou sua teoria do
Inconsciente Coletivo são impossíveis de interpretar, e só podem conduzir
a hipóteses inacreditáveis ou contraditórias, se não reconhecermos que
o pensamento do adulto e o pensamento da criança diferem pela extensão
mais do que pela estrutura. Admitamos, de uma vez para sempre, que
uma criança não é um adulto, mas mantenhamo-nos fiéis a esta afirma·
ção e não cheguemos, de maneira insidiosa, como parecem ter feito tan-
tos pSicólogos e psiquiatras, a desmenti-la, insinuando que o pensamento
da criança civilizada assemelha-se ao do adulto primitivo, ou da criança
normal ao do adulto alienado. Todo pesquisador de campo, que tenha
adquirido experiência concreta das crianças primitivas, estará sem dú'
vida de acordo conosco em considerar que a proposição inversa estaria
mais perto da verdade, e que as crianças primitivas dão provas, por
muitos aspectos, de um espirito mais amadurecido e positivo que as
nossas, o que as aproxima mais do adulto civilizado. Mas a questão não
reside ai.
Porque a distinção entre a criança e o adulto uma vez estabelecida
e vimos que não se deve superestimar sua natureza -, em que eon-


  1. Ibid., p. 94.

  2. S. Isaacs, Social Development .. 0' p. 388.


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