Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

11


II

siste a relação fundamental que é possível estabelecer entre suas ma-
nífestações mentais respectivas? É que o pensamento do adulto constrói-
se em torno de um certo número de estruturas, que determína com
precisão, organiza e desenvolve pelo símples fato dessa especialização,
estruturas que constituem somente uma fração das que são ínicialmente
dadas, de maneira aínda sumária e indíferenciada, no pensamento da
criança. Dito em outras palavras, os esquemas mentais do adulto diver-
gem segundo a CI)1tura e a época a que pertencem, mas todos são ela-
borados partíndo de um fundo universal, ínfínítamente mais rico do que
aquele de que cada sociedade particular dispõe, de tal modo que cada
criança ao nascer traz consigo, em forma embrionária, a soma total das
possibilidades dentre as quais cada cultura, e cada períodO da história
escolhem algumas, para conservá-Ias e desenvolvê-Ias. Ao nascer, cada
criança traz, em forma de estruturas mentais esboçadas, a totalidade dos
meios de que a humanidade dispõe desde toda a eternidade para de-
finir suas relações com o Mundo e com o Outro. Mas estas estruturas
são exclusivas. Cada uma delas só pode abranger certos elementos, en-
tre todos aqueles que são oferecidos. Cada tipo de organização social
representa portanto uma escolha, que o grupo impõe e perpetua. Rela-
tivamente ao pensamento do adulto, que escolheu e rejeitou de acordo
com as exigências do grupo, o pensamento da criança constitui pois
uma espécie de substrato universal, em cuja etapa não se produziram
aínda as cristalizações, permanecendo ainda possível a comunicação en-
tre formas íncompletas solidificadas.
Será esta hipótese susceptível de demonstração? Contentamo·nos em
índicar em que direção, segundo nosso modo de ver, seria possível ve-
rificá-Ia. A primeira fase teria aínda um valor negativo. É que, desde os
primeiros anos de vida, o pensamento da criança aparece com carac·
teres completa e íntegralmente humanos, que cavam um fosso entre eles
e a atividade animal. São conhecidas as dificuldades encontradas por
Braínard quando quis repetir com sua filhinha as experiências feitas com
macacos por Kõhler, por exemplo, colocar um chocolate na beirada ex-
terior de uma janela para ver se a criança descobrirá o meio de ai·
cançá-Io. Mas a experiência é irrealizável porque a criança reage de ma·
neira social. Em lugar de tentar fazer, protesta: Hi! Daddy, get itf... A
atitude do pai é julgada perversa, e só mais tarde é que o problema
teórico pode ser resolvido. Como diz Brainard, "a díferença essencial
provém de que a criança apresenta um grau muito alto de desenvolvi-
mento social, sobretudo com O uso da linguagem e a capacidade de pe-
dir aos outros para fazerem as coisas para ela". De fato, todas as ex·
periências transformam-se em discussões: "não posso", "podes sim", Ué
muito difícil", ete. QuandO a criança consegue, diz ao pai: "eu te venci!"
(l'm tooling on you)."
Se lembramos estes fatos é porque a aprendizagem da linguagem
coloca-nos em presença dos mesmos problemas que encontramos a pro-
pósito dos inlcios infantis da vida social, e porque estes problemas re-
ceberam a mesma solução. A diversidade dos sons que o aparelho vocal
pOde articular é praticamente ilimitada. Cada língua só conserva entre-


  1. P. Brainard, The Mentality of a Child Compared with that Df apes. Journal
    01 Genetic Psychology, voI. 37, 1930.


132

Free download pdf