Devemos reconhecer hoje em dia que esta avaliação era errônea. Em
seguida a Murdock, numerosos autores verificaram, sobretudo na Poli-
nésia (região sobre a qual os primeiros trabalhos de Firth já tinham
chamado a atenção), mas também na Melanésia e na África, a existência
de sistemas cognáticos, isto é, fundados sobre o igual reconhecimento
das duas linhas, chamados também por Davenport "sistemas não-uniU-
neares" (American Antropologist, vol. LXI, n. 4, 1959). Estes sistemas são
certamente mais freqüentes do que se suspeitava por volta de 1940, e al-
guns etnólogos acreditam que representam ao menos um terço dos sis-
temas de filiação atualmente recenseados. Mas, mesmo se esta proporção
viesse a ser c;onfirmada, não nos parece que nossos princípios de inter-
pretação sofram seriamente com este fato. Em 1947, sugeríamos deixar
de lado tais sistemas, porque pensávamos, do mesmo modo que Radcl1f-
fe-Brown, que estes sistemas constituíam uma exceção. Embora isto não
pareça mais exato hoje em dia, a atitude reservada que mantinhamos
continua fundada. Mesmo freqüentes, estes sistemas não precisam ser
considerados aqui, porque não dependem das estruturas elementares.
Conforme indicava já Goodenough em seu artigo "Malayo-Polynesian So·
cial Organization" (American Anthropologist, vol. LVII, n. 1, 1955), esses
sistemas, ao contrário do que Murdock parece implicitamente admitir em
seu estudo: "Cognatic Forms of Social Organization" (Social Structure in
South-East Asia, editado por G. P. Murdock, Viking Fund Publications
in Anthropology, n. 29, 1960), não dependem da mesma tipologia que os
sistemas aos quais damos o nome de estruturas elementares do paren-
tesco. Com efeito, neles intervêm uma dimensão suplementar, porque to-
dos estes sistemas definem, perpetuam e transformam o modo de coe-
são social com relação não mais a uma regra estável de filiação mas
a um sistema de direitos imobiliários. A diferença entre as sociedades
onde se manifestam e as sociedades nas quais reina somente a descen-
dência unilinear é aproximadamente do mesmo tipo que a existente entre
artrópodes e vertebrados. Em um caso, o esqueleto da sociedade é interno.
Consiste em um encatxamento sincrônico e diacrônico de posições pes-
soais, no qual cada posição particular é rigorosamente função de todas
as outras posições. No outro caso, o esqueleto é externo. Consiste em
um encaixamento de posições territoriais, isto é, em um regime imobiliá-
rio. Estes status reais são exteriores aos indivíduos, que podem, por
isso, e dentro dos limites impostos pelas coações, definir seu status fa-
miliar e social com uma certa margem de liberdade. Para justificar a
comparação precedente, notaremos que são exatamente os organismos
dotados de exoesqueleto os que possuem o privilégio de mudar de forma
durante a existência individual, que tem várias etapas morfológicas. Daí
se segue que os sistemas cognáticos diferem também dos sistemas uni-
lineares por um segundo aspecto: neles, diacronia e sincronia, em certa
medida, são dissociadas pela liberdade de escolha que tais sistemas con-
cedem a cada indivíduo. Permitem às sociedades que os possuem atingir
a existência histórica na medida em que as flutuações estatísticas que
reúnem as escolhas individuais podem estar orientadas em uma deter-
minada direção l.
Mas, sobretudo, estas formas difusas ou nítidas de bilinearismo de-
vem todas ser diferenciadas de uma outra, com a qual tem-se a ten-
dência a confundi-las. Nos exemplos citados no parágrafo precedente o
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