Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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na grande maioria dos casos, o pensamento proceda segundo leis muito
diferentes, que uma observação mais atenta permitiu determinar. Os gra·
máticos de Port·Royal também julgaram chegar às verdadeiras leis do
discurso. E viemos a saber mais tarde que a sintaxe e a morfologia re·
pousam sobre uma infra-estrutura que tem poucos pontos comuns com
os quadros da gramática tradicional.
O fato de haver classes em outro lugar diferente do espírito do so-
ciólogo tem portanto o mesmo valor - e não mais - que a existência
de silogismos fora do lógico. Nos dois casos, deve admitir-se a existência
dessas formas quando são confirmadas pela experiência e pela observação.
Daí não se conclui que, sempre e em toda parte, sejam a razão de ser
de fenômenos análogos aos que produzem quando são efetivamente da-
das. Proporemos uma demonstração que nos parece tópica, quando abor-
darmos o problema das geraçôes alternadas. Veremos que este fenôme-
no, que concorda tão perfeitamente com a dupla dicotomia patrilinear
e matrilinear, a ponto de geralmente não se pôr em dúvida que esta
seja a causa daquele fenômeno, aparece também em condições inteira-
mente diferentes, determinadas pela realização de ciclos muito curtos de
reciprocidade. H
Quando se examina um pouco mais de perto a tese segundo a qual
o casamento dos primos cruzados resultaria de uma dupla dicotomia do
grupo, percebe-se que - exceto em alguns casos precisos e determina·
dos - os fatos não resistem à análise. Os Wa-Nyanja da Africa portu-
guesa são divididos em grupos matrilineares exogâmicos kamu, recorta-
dos por grupos patrilineares, igualmente exogâmicos, chilawa. Como era
de esperar, este sistema exclui os primos paralelos do número dos côn-
juges possíveis, mas não faz dos primos cruzados cônjuges preferidos. 2'
Forde foi levado a apresentar uma ressalva semelhante a propósito dos
Yako, cuja organização social foi anteriormente descrita. 2<,
Uma análise um pouco atenta dos fatos Ashanti mostra até que pon-
to devemos desconfiar da tese bilateral, mesmo quando parece firme-
mente estabelecida. Conforme observou com razão B. Seligman", a dia-
lética do ntoro e do abusua não acarretaria o casamento dos primos
cruzados bilaterais a não ser que cada categoria compreendesse dois gru-
pos exógamos, e somente dois. Ora, certamente não é esse o caso dos
Ashanti, que possuem um número indeterminado de clãs e de ntoro. A
estrutura de seu sistema não implica pois que os netos reproduzam au-
tomaticamente as filiações, patrilinear e matrilinear, de seu avô. Este
ponto é essencial, porque Rattray julgou poder explicar o casamento dos
primos cruzados e sua relação particular com a organização social dos
Ashanti por crenças metafísicas. 2~ O casamento dos primos cruzados é
necessário porque, em um sistema bilinear, o neto reproduz o avô e o
reencarna no que diz respeito à posição social. Permite, portanto, a cada
alma reintegrar-se a seu clã e a seu ntoro, após o eclipse de uma geração.
Esta dialética das gerações alternadas será examinada mais adiante, por
isso não nos demoraremos aqui em tratar de suas implicações teóricas.


  1. Capo XIII e XXVII.

  2. Rev. H. Barnes, Marriage of Cousins in Nyasaland, Man, voI. 22, n. 85, 1922.
    26. C. Daryll Forde, Marriage and the FamiIy among the Yako in South-Eastern
    Nigeria, Monographs on Social Anthropology, Londres, n. 5, 1941, p. 15, n. 1.

  3. B. Z. Seligman, Cross Cousin Marriage, Man, vol. 25, n. 70. 1925.

  4. Cf. E. Clark, The Sociological Sienificance of Ancestor Worship in Ashanti,
    A/rica, voI. 3, 1930.
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