Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

percebidas aos observadores no terreno. Mas podemos estar persuadidos
que, ao elaborar este sistema, o espírito indígena nunca apelou para
essas dezesseis categorias. Ainda mais, mostraremos que as oito classes
representam uma elaboração secundária, e que a gênese do sistema ex-
plica·se de maneira muito satisfatória por uma divisão, atualmente in·
consciente, em quatro categorias." Todas as vezes que DOS encontramos
em face de sistemas desse tipo, isto é, nos quais a posição do individuo
na estrutura social parece resultar da combinação de vários caracteres
elementares, a questão que se levanta é a de saber se o sociólogo, e às
vezes também o indigena, agiram como o geneticista ou como o mate-
mático. Estes caracteres são uma propriedade objetiva da estrutura so-
cial oU um processo cômodo para verificar algumas de suas proprieda-
des? Há sempre três possíveis respostas a esta questão.
Em certos casos as unidades elementares existem. Há clãs matrili-
neares, secções patrilineares, uns e outros definidos pela terminologia,
pelas regras de transmissão dos direitos e das obrigações e por certos
outros aspectos do costume e das instituições. Quando os fatos são obje-
to de um exame minucioso e critico que conduz a uma conclusão po-
sitiva, não há oportunidade de pôr em dúvida o papel dos mecanismos
correspondentes. Mas, na maioria dos casos, não se encontra nada disso.
É o sociólogo que, para explicar uma complicada lei de distribuição dos
cônjuges possiveis e dos cônjuges proibidos, inventa uma hipotética di-
visão do grupo em classes unilaterais, dotadas dos caracteres exigidos
para que o sistema de casamento possa ser interpretado como resul-
tado de sua interação. Este método de análise pOde ser cômodo, como
etapa da demonstração. Mas ficamos em dúvida quando nos referimos
aos trabalhos desse tipo que conduzem a esquemas tomados suspeitos por
sua própria complicação." Mas, sobretudo, estes trabalhos infringem um
principio bem conhecido pelos lógicos, a saber, que a existência de uma
classe definível em extensão não pode nunca ser postulada. Verifica·se
a presença de uma classe, mas não se deduz a classe.
Há, porém, situações mais embaraçosas. O artifício de método que
censuramos no sociólogo às vezes é o indígena o culpado dele. Com
efeito, algumas culturas procederam, em suas próprias instituições so·
ciais, a um verdadeiro trabalho de distribuição em categorias. Fizeram
o sistema destas, sem que este sistema possa pretender, a pretexto de
sua origem indígena, representar fielmente uma realidade que sua na·
tureza inconsciente e coletiva pode tanto furtar à análise do sujeito quan·
to a do observador. A Austrália oferece notáveis exemplos desta situação.
O sociólogo a quem inspirasse escrúpulos deveria lembrar-se que não
é o primeiro a tê-los. A Lógica da Escola foi obra de homens que peno
savam e acreditavam descobrir as leis a que obedecia seu próprio peno
samento. Ora, o fato de, em certos casos, o pensamento desenvolver-se
de maneira ajustada aos modelos da lógica clássica, e o fato de ser
possível dar de qualquer operação intelectual uma interpretação que sa-
tisfaça a suas exigências, não impede - conforme sabemos hoje - que,



  1. Capo XII. [Vê-se, pois. que, contrariamente à censura feita a nós algumas ve-
    ~s por autores que evidentemente não nos leram (Berndt, Goody), excluiamos ante-
    clpadamente qualquer interpretação do tipo da exposta por Lawrence].

  2. Assim os dois artigos de B. Z. Seligman: Bilateral Descent and the Formation
    Df Marriage Classes, Journal 01 the Royal Anthropological Institute, vaI. 57, 1927, e
    Asymetry in Descent with Special Reference to Pentecost, Ibid., vol. 58, 1928.


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