Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

jugal é quebrada e de novo quebrada Incessantemente. Como uma ta!
situação pode ser concebida pelo espírito, como pôde ser inventada e
estabelecida? É impossível compreender isso sem ver no caso o resul-
tado do con1Iito permanente entre o grupo que cede a mulher e o que
a adquire. Cada um conquista a vitória, alternadamente ou segundo os
lugares, a saber, filiação matrillnear ou filiação patrillnear. A mulher é
sempre o símbolo de sua linhagem. A filiação matrilinear é a mão do pai
ou do irmão da mulher que se estende até à aldeia do cunhado.


A correlação estabelecida por Murdock entre as Instituições patrili·
neares e os níveis mais altos de cultura" não altera em nada a prima·
zia absoluta que se deve reconhecer-lhes sobre as Instituições matrillnea·
res. É verdade que em sociedades nas quais o poder político tem pre-
cedência sobre as outras formas de organização não se pode deixar subsis·
tir a dualidade que resultaria do caráter masculino da autoridade polí-
tica e do caráter matrillnear da filiação. As sociedades que atingem o
estágio da organização política têm pois a tendência a generalizar o di-
reito paterno. Mas é porque a autoridade política, ou simplesmente social,
pertence sempre aos homens, e esta prioridade masculina representa um
caráter constante, quer se ajuste a um modo de filiação bilinear ou matri-
linear, na maioria das sociedades mais primitivas, quer impOnha seu mo-
delo a todos os aspectos da vida social, conforme acontece nos grupos
mais desenvolvidos.
Tratar a filiação patrilinear e a filiação matrilinear, a residência pa·
trilocal e a residência matrilocal como elementos abstratos que podemos
combinar dois a dois em nome do simples jogo das probabilidades é
portanto desconhecer totalmente a situação inicial, que inclui as mulheres
no número dos objetos sobre os quais incidem as transações entre os
homens. Os regimes matrilineares existem em número comparável (e sem
duvida superior) aos regimes patrilineares. Mas o número dos regimes
matrillneares que são ao mesmo tempo matrilocais é extremamente pe-
queno. Por trás das oscilações do modo de filiação, a permanência da
residência patrilocal comprova a relação fundamental de assimetria en·
tre os sexos, que caracteriza a sociedade humana.
Se fosse preciso convencer-se desse fato bastaria considerar os ar-
tifícios para que uma sociedade matrilinear e matriloca!, em sentido ri-
goroso, tem de apelar a fim de criar uma ordem aproximadamente
equivalente ao de uma sociedade patrilinear e patrilocaI. O taravad dos
Nayar de Malabar é uma linhagem matrilinear e matrilocal, proprietá-
ria dos bens imobiliários e depositária dos direitos sobre as coisas e as
pessoas. Mas, para realizar esta fórmula, é preciso que o casamento seja
seguido, três dias depois, do divórcio. Daí em diante a mulher sÓ tem
amantes." Não basta, pois, dizer, como faz o autor que acabamos de
citar, que "em toda sociedade humana encontra-se uma diferença funda-



  1. G. P. Murdock. Correlation 01 Matrilineal and Patrilineal Institutions, em Studies
    in the Science of Society Presented to A. G. Keller. New Haven 1937.

  2. A. R. Radcliffe Brown, Patrilienal and MatrHineal Succession. Iowa Law Review.
    vol. 20. 1935, p. 291.


156





Free download pdf