Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

tende a reduzir-se a um individuo, e de outro lado uma classe que se
amplia até se confundir com o grupo social considerado em conjunto
Já encontramos uma fórmula análoga para explicar o casamento polí-
gamo e a relação de reciprocidade entre o chefe e seu bando
" A este
respeito, o fundamento jurídico do matrimônio moderno aparece como
a generalização, ou a democratização, de um modelo de aplicação mais
restrita. Comecemos, porém, por determinar a verdadeira natureza do
casamento entre primos cruzados.


Suponhamos dois grupos familiares, patrilineares e patrilocais, A e
B, aliados pelo casamento de uma moça b com um homem a. Do ponto
de vista do grupo A, a mulher b representa uma aquisição, enquanto
para o grupo B constitui ao contrário uma perda. O casamento traduz-
se, portanto, para o grupo A beneficiário pela passagem a uma posição
devedora, e para o grupo B, diminuído de um membro feminino em
proveito do grupo A, pela aquisição de um crédito. Igualmente, o casa·
mento de cada um dos homens do grupo B e do grupo A constitui um
ganho para seu respectivo grupo e coloca, portanto, o grupo em geral,
e a família considerada, em particular, na posição de devedor. Ao con·
trário, o matrimônio de cada uma das mulheres a ou b representa uma
perda, e reclama, por conseguinte, um direito compensador. As mulheres
parentes são mulheres perdidas, as mulheres aliadas são mulheres ga-
nhas. Cada família descendente destes casamentos encontra-se, pois, afe~
tada por um sinal, determinado para o grupo inicial conforme a mãe
dos filhos for uma filha ou uma nora. As famílias derivadas de uma
filha e de um genro resultam do emprobrecimento do grupo e possuem



  • do ponto de vista do grupo inicial - um crédito em seu favor. As
    que provêm da união de um filho e de uma nora são as famílias da
    aquisição e, como ganharam, devem retribuir. Muda-se de sinal ao passar
    do irmão à irmã, porque o irmão adquire uma esposa, ao passo que
    a irmã está perdida para sua própria família. Mas também se muda
    de sinal passando da geração precedente à geração seguinte. Conforme,
    do ponto de vista do grupo inicial, o pai tenha recebido uma esposa
    ou a mãe tenha sido transferida para fora, os filhos têm direito a uma
    mulher ou devem uma irmã. Sem dúvida, esta diferença não se traduz,
    na realidade, pela condenação ao celibato da metade nos primos mas·
    culinos, mas exprime, em todo caso, a seguinte lei, a saber, que um ho-
    mem não pode receber uma esposa a não ser do grupo do qual uma
    mulher é exigível, porque na geração superior uma irmã ou uma filha
    foi perdida. Em compensação, um irmão deve ao mundo exterior uma
    irmã (ou um pai, uma filha), porque na geração superior uma mulher
    foi ganha.
    Um esquema servirá para ilustrar esta análise. Atribuamos a cada
    casal um sinal (+) ou (-), conforme esse casal resulte da perda ou
    da aquisição de uma mulher pelo tronco inicial A ou B. O sinal muda
    quando se passa para a geração seguinte, todos os membros da qual
    são primos entre si. No que diz respeito ao casal inicial, formado de
    um homem a casado com uma mulher b, este possui evidentemente os
    dois sinais, conforme O consideremos do ponto de vista de A ou de B,
    e a mesma coisa é verdade no que respeita a seus filhos. Basta agora
    20. Cf. acima, capo IV, p. 84.


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