Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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Como, no sistema optativo, Dl e C2 formam um casal, vê-se que, do
mesmo modo que no sistema normal, as duas primas cruzadas não se
distinguem uma da outra, ambas incluem·se igualmente na classe dos
cônjuges possíveis.

Não existe, pois, relação direta entre o caráter especifico do siste-
ma Murngin (o' redobramento do ciclo masculino), e a regulamentação
do casamento, que prolbe a prima patrilateral e prescreve a prima ma·
trilateraL Na realidade, a reduplicação do ciclo tem realmente uma con·
seqüência que lhe é pr6pria, mas é inteiramente diferente. Consiste em
restituir as duas primas cruzadas (ou a prima cruzada bilateral) ao
número dos cônjuges possíveis quanto à classe, isto é, anular o efeito
especifico de um sistema de oito subsecções organizada segundo o mo-
delo clássico. É fácil perceber a razão disso. A reduplicação do cicio
equivale à divisão por dois do número de classes. Sendo o ciclo duas
vezes mais comprido, tudo se passa como se as classes fossem em nú·
mero de quatro, em vez de oito. Do ponto de vista da regulamentação
do casamento, o sistema Murngin, considerado isoladamente, reconstitui
pura e simplesmente as condições do sistema Kariera. Qualquer que
seja aquele dos dois tipos de casamento autorizados pelo sistema Murn·
gin, tipo normal ou tipo optativo, o primeiro parente que satisfaz as
suas condições de classe exigidas para ser um cõnjuge possivel é a filha
do irmão da mãe ou a filha do irmão do pai, ou a prima cruzada, que
é ao mesmo tempo uma e outra.
Dever·se·á, pois, em face do sistema Murngin reconhecer a comple-
ta ausência de conexão entre o sistema das classes e a regulamentação
do casamento? Esta última estabelece, aparentement~ por si s6, uma
distinção fundamental que se reflete em todo o sistema. Veremos, den·
tro em pouco, que o casamento preferencial com a filha do irmão da
mãe confere ao sistema de parentesco Murngln caracteres inteiramente
excepcionais, sem equivalentes na maioria das tribos australianas. Con·
tudo, diante de um traço tão fundamental, o sistema das classes per·
manece por assim dizer mudo, não ensina nada nem serve para nada.
As duas primas cruzadas entram na mesma classe, que é a dos cônjuges
possíveis. Ora, somente uma das duas pOde ser desposada. A determi·
nação do cônjuge preferido dependerá, inteira e exclusivamente, do grau
de parentesco?
Antes de aceitar esta conclusão negativa, formulemos uma obser·
vação e tentemos extrair dela as conseqüências. Os Murngin distinguem·
se dos outros grupos que possuem sistemas com oito subsecções, ao
mesmo tempo pelo funcionamento das subsecçôes e pela regulamenta·
ção do casamento. Mesmo se as duas ordens devem ser reconhecidas
como heterogêneas, nem por isso deixa de se impor a verificação de
que uma diferença no interior de uma das ordens é acompanhada por
uma diferença no interior da outra. Não pudemos descobrir uma re-
lação entre o mecanismo das classes e a preferência matrimonial. Mas
o prOblema pode ser proposto de outra maneira. Uma vez que uma
diferença no mecanismo das classes é dada simultaneamente com uma
diferença nas preferências matrimoniais, não será possível estabelecer

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