Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

r


l


Os sistemas que acabamos de mencionar são conhecidos em etnogra-
fia pelo nome de sistemas Crow-Omaha, porque é nessas duas tribos da
América do Norte que foram pela primeira vez identificadas suas va-
riantes, respectivamente matrilinear e patrilinear_ É por eles que em
1947-1948 propunha-me a abordar o estudo das estruturas de parentesco
complexas, em um segundO volume, ao qual várias vezes faço alusão e
que sem dúvida nunca escreverei. Convém, portanto, explicar por que
abandonei este projeto_ Embora convencido de que não se pode genera-
lizar a teoria do parentesco sem passar pelos sistemas Crow-Omaha, fui
progressivamente verificando que a análise deles levanta imensas dificul-
dades, que não são da alçada dos etnólogos mas dos matemáticos_ As
pessoas com quem ocasionalmente discuti o problema, há dez anos, estão
convencidas disso_ Algumas declararam que o problema tinha solução, e
outras não, por uma razão de ordem lógica que indicarei adiante_ Em
todo caso ninguém sentiu desejo de ocupar o tempo que seria neces-
sário para esclarecer a questão_
Radcliffe Brown e Eggan ensinaram-nos muitas coisas a respeito des-
ses problemas, mostrando que um dos caracteres essenciais deles consis-
te em fazer passar a situação de pertencer a uma linhagem à frente
da relação de pertencer à geração_ Mas, ao que parece, houve demasiada
pressa em classificar os sistemas Crow-Omaha juntamente com outros, que
também designam por um único termo vários representantes, masculi-
nos ou femininos, de uma linhagem, embora relacionem-se com gerações
consecutivas, e que, como os sistemas Crow-Omaha fazem subir ou descer
de uma ou de duas gerações certos membros de duas linhagens, dispos-
tas simetricamente de um e de outro lado de uma terceira linhagem, na
qual o observador decide colocar-se_ Com efeito, são numerosos os au-
tores que classificam em conjunto as nomenclaturas Crow-Omaha e a das
sociedades chamadas de casamento assimétrico, isto é, prescrltivo ou pre-
ferencial com a prima cruzada matrilateraL Como a teoria desses sis-
temas não levanta nenhum problema, o mesmo aconteceria com os outros.
No entanto, uma curiosa anomalia deve chamar a atenção_ É fácil
desenhar o diagrama de um sistema assimétrico_ Tem o aspecto de uma
cadeia de ligações sucessivas, cUja orientação permanece a mesma em
cada nível de geração, formando assim ciclos fechados superpostos que
é possível traçar na superfície de um cilindro e projetar sobre um plano_
Por outro lado, ninguém conseguiu ainda dar uma representação gráfica
satisfatória de um sistema Crow-Omaha em um espaço de duas ou mes-
mo de três dimensões_ A medida que as gerações se sucedem, surgem
novas linhagens, cuja representação exige outros tantos planos mantidos
de reserva_ Na falta de informações genealÓgicas que completem as que
são explicitamente fornecidas pelo sistema, só temos o direito, durante
o lapso de três ou quatro gerações, de fazer uma única vez estes planos
se recortarem_ Como a regra vale para os dois sexos e uma linhagem
inclui pelo menos um homem e uma mulher em cada geração (senão
o modelo não estaria em equilíbrio), o resultado é que mesmo um dia-
grama limitado a algumas gerações exige muito mais dimensões espa-
ciais do que é possível projetar no papel. acrescentando-se a elas uma
dimensão temporal que não é levada em conta no modelo de um sistema
assimétrico_ Radcllffe Brown e Eggan contornaram a dificuldade, mas

33

Free download pdf