Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

coral; 9.0 um cinto de cobre; 10.^0 uma coberta para substituir a que
gastou ao carregar sua sobrinha quando esta era um bebê; 11.° um porco;
12." um pagamento especial por ter bebido fora da aldeia com o marido
e sua família.' 1
Se considerarmos que demos apenas um exemplo, que o pu man
ou preço do tio, que vem em seguida, se subdivide em tantos paga.
mentos quantos são os tios e que o hring man, preço do nascimento,
acrescenta-se freqüentemente ao pu man, ~'! e que, do lado da noiva. vêm
também prestações múltiplas, tais como sacrifícios de porcos e o dote
(pago pelo irmão da mulher), finalmente, que estas prestações obriga.
tórias, e que não cessam nem mesmo com a morte (pois há um shé,
preço da morte, que a lenda atribui à indenização dos sogros pelo marido
para o direito simbólico de deitar·se com o cadáver da mulher), não
impedem a existência de verdadeiros "potlatch", facultativos mas reco·
mendáveis, que são o vwawk a (matar porcos), e o puan pa (estender
cobertas), que modificam todo o equillbrio futuro das dívidas e das
obrigações, deveremos reconhecer que estamos aqui em face de um
desenvolvimento pouco comum, cujos extraordinários caracteres deman-
dam uma explicação.
Porque há festas, anteriores ao casamento das moças, cujo efeito
é aumentar o preço da futura noiva, em honra da qual são celebradas. '"
Cerimônias análogas, mas realizadas no momento do casamento, modi-
ficam o regime jurídico do contrato. "Um costume que não é obrigatório
mas constitui mais uma espécie de homenagem prestada pelo pai ou o
irmão à filha ou à irmã e cuja observância contribui para a glória do
obsequiador é uma festa, durante a qual um certo número de porcos
são mortos e um número igual de cobertas estendidas para que o marido
e a mulher possam pisá·las COm os pés. Oferece·se também uma quan·
tidade igual de cestos de cereais... Depois dessa cerimônia ter sido
realizada, o preço da noiva só é restituível caso a mulher se divorcie"."
As prinCipais ofertas são acompanhadas de considerável número de preso
tações acessórias, que obrigam a contraprestação por parte do marido.
No cerimonial do casamento Katchin também, as maneiras desagra.
dáveis e a recusa obstinada contrastam com a fatalidade dos graus pre·
feridos. Os mayu ni são doadores de mulheres, os dama ni são soli·
citadores de esposas, igualmente predestinados, uns e outros, por um
sistema ancestral e, em certo sentido, de ordem divina. No entanto, na
véspera do casamento um intermediário, lakywa, é enviado à casa da
noiva e a pede nos seguintes termos: "Uma estreita amizade sempre
nos uniu e até agora tendes sempre dado esposas a nossos filhos ... "
Os pais respondem: "Não podemos dá·la." O intermediário finge retirar·
se, volta, sofre nova recusa, vai novamente, volta, simula renunciar, e
é somente no quarto pedido que os mayu ni mudam de opinião, mas



  1. Ibid., p. 10·11.
    22. Vindo ainda complicar as coisas, o direito ao pu man depende de uma preso
    tação inicial feita pelo tio, que deve primeiramente matar e oferecer um porco,
    sem o que nem ele nem seus herdeiros poderiam pretender o pu mano O marido
    responde por um segundo sacrifício de um porco (Head, p. 11·12). Estes presentes
    de abertura e de encerramento, que condicionam o exercício de um direito mais
    essencial, têm seu equivalente no ritual do kula na Melanésia.

  2. Stevenson, Feasting and Meat Division ... , op. cit., p. 24.

  3. Head, op. cit., p. 15-16; também p. 31ss.


304

Free download pdf