Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Mayu ni e dama ni podem, pois, ser aliados predestinados, mas entre
eles a aliança é acompanhada por uma hostilidade latente. Nenhum
outro sistema exemplifica melhor a graciosa definição de Gordon Brown:
"O casamento é um ato de hostilidade que se tornou objeto de regu.
lamentação social", "" Vimos que o dama ni é onipotente para exigir uma
esposa, e qualquer outro cônjuge substituível, se a primeira não convém.
Mas, por outro lado, os mayu ni vigiam ciosamente seu genro. Durante
o primeiro ano, pelo menos (mesmo se os diversos pagamentos foram
regularmente efetuados), o jovem marido deve ajudar os sogros a pre-
parar seus arrozais e uma outra vez a reconstituir a casa deles. Em
caso de divórcio por culpa do marido, este deve dar à mulher um dah
(sabre) e um búfalo, sacrificado pelos sogros para celebrar o retorno
da filha, e se o divórcio é devido à culpa da mulher, a família deve res-
tituir todos os presentes e dar um búfalo, sacrificado pelo marido para
demonstrar a volta dos presentes. Mas, diz Gilhodes, em caso de adul-
tério é sempre o homem que é culpado e deve pagar a multa, sumarai kha.
Acrescenta: "As penalidades ligadas ao adultério são enormes, levando-se
em conta a pObreza Katchin, e reduzem rapidamente a família do culpado
a um estado de completa terminação". ", Vê-se a que ponto estas atitudes
impregnadas de hostilidade e as modalidades, ora arbitrárias ora exor-
bitantes, do sistema de compra e das "dívidas", opõem-se à harmoniosa
cadeia das predestinações matrimoniais expressas pela terminologia.
Antes de passar à segunda antinomia do sistema Katchin, façamos
ainda uma observação a propósito das regras da compra. Vimos que
as prestações matrimoniais distribuem-se entre vários membros da fa-
mília da noiva e que o tio e a tia encontram-se entre os principais toma-
dores. O mesmo acontece entre os Haka Chin com o preço da morte.
Quando o pai morre é o tio materno, isto é, o beneficiário do pun taw
da mãe, que reclama o shé e o shé da mãe é reivindicado pelo irmão
dela, que recebeu o pun taw."' É preciso certamente entender por tio
o irmão da mãe, conforme aparece claramente no texto de Head. E a tia
só pode ser a mulher deste último, porque a irmã da mãe é chamada
como a mãe, e a irmã do pai é a mãe do noivo, portanto um membro
da casa que oferece os presentes. Mas o irmão da mãe e sua mulher
pertencem a linhagens diferentes entre si, e ambas diferentes da linha-
gem da noiva. E estas duas linhagens não têm qualquer direito à moça
que vai ser cedida. Por que então seus membros devem ser indenizados?
A coisa seria inteligível em um sistema compatível com o casamento
entre primos cruzados bilaterais, ou com a prima cruzada patrilateral
ou finalmente com o casamento avuncular. Mas estas três combinações
são formalmente exclui das nos sistemas do tipo aqui considerado. Esta·
mos, portanto, em face de um enigma que deixaremos provisoriamente
de lado, depois de tê-lo indicado à atenção do leitor. Este verá, com
efeito, que, longe de ser uma anomalia particular do sistema Katchin,



  1. G. Gordon Brown, Hehe Cross Cousin Marriage, em Essays Presented to C.
    G. Seligman, Londres 1934, p. 30-31. Todos os fatos que acabamos de descrever pos-
    suem, aliás, impressionantes paralelas africanos. Cf. por exemplo a descrição da via-
    gem da noiva, com suas múltiplas paradas e os pagamentos sucessivos para fazê-la
    retomar a marcha, em: Raul Kavita Evambi, The Marriage Customs Df the Ovim-
    bundu, A/rica, vaI. 2, 1938, p. 345.

  2. Gilhodes, op. cit., p. 221-224. Carrapiet, op. cit., passim.

  3. Head, p. 30; cf. também p. 12-13.


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