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toma por conseguinte como ponto de partida de sua reconstrução um
sistema (o sistema Kariera) que já é de grande complexidade. Não é de
espantar vê·lo, por conseguinte, condenado a construir sistemas ainda mais
complexos, e na verdade tão complexos que não encontram mais verifi.
cação nos fatos.
O segundo aspecto do erro de Granet refere·se à sua interpretação
dos sistemas australianos (particularmente o sistema Kariera), como
sistemas de alta antiguidade. Quando júlga encontrar na China vestígios
de sistemas do mesmo tipo, classifica·os imediatamente no período mais
arcaico, porque, em seu espírito, não tem nenhuma dúvida de que o
aspecto "australóide" da sociologia chinesa seja também O mais prlmi.
tivo. Estas concepções eram muito comuns no final do século XIX, mas
sabemos hoje que o caráter arcaizante da cultura material dos austra.
lianos não tem correspondência no domínio das instituições sociais. Estas
últimas resultam, ao contrário, de uma longa série de elaborações re-
fletidas e de reformas sistemáticas, de tal maneira que a sociologia aus·
traliana da familia constitui, se é possível falar assim, uma "sociologia
planificada"." Se Granet tivesse tido consciência deste aspecto da ques·
tão, teria sem dúvida feito uma comparação que modificaria profunda·
mente seu esquema. Não há talvez em toda a história da humanidade
uma conjuntura que lembre mais as ociosas e intermináveis discussões
e os concílios de velhos, durante os quais foram elaborados os sistemas
australianos, do que a China da reforma realizada por Confúcio. Porque
a China deste períOdO e a Austrália representam dois exemplos, igualmente
impressionantes, de uma sociedade que tenta formular um código racio-
nal do parentesco e do casamento. A sugestão imediatamente resultante
desta observação é que, não sendo as modalidades de organização da
familia em número ilimitado, foi nessa época que, derivando da mesma
preocupação racionalizadora, os sistemas chinês e australiano foram le-
vados a apresentar aspectos convergentes. O aparecimento de uma termi·
nOlogia que evoca o casamento bilateral com a prima cruzada e a troca
das irmãs, no ehr ya, torna·se inteiramente natural quando se adota esta
perspectiva. Granet, ao contrário, vê·se obrigado a repelir o sistema cor·
respondente para um passado arcaico,~ que nada comprova, desprezando
a data, mesmo aproximada, do documento invocado.
A estes dois erros de método acrescenta·se um terceiro, também Im·
putável ao que se poderia chamar "a deformação australiana". Quando
Granet diz "não há nenhuma razão para supor que o sistema chamado
das quatro classes tenha sido precedido por algum outro"," não afirma
somente a anterioridade deste sistema com relação a qualquer outro siso
tema de classes, mas exclui com isso a existência de todo sistema de
troca matrimonial no qual as classes não estejam expliclta ou Implici·
tamente presentes. Assim, não poderia haver casamento bilateral entre
primos cruzados sem a divisão do grupo em quatro classes e, na hipótese
particular em que se coloca, não pOderia haver casamento unilateral com
a filha do irmão da mãe sem um sistema de oito classes. Ora, as duas
coisas evidentemente não estão ligadas. Um sistema de classes é apenas
um dos meios possíveis para estabelecer uma certa forma de reciproci·
12~ Cf. capo XI.
- Granet. Catégories, p. 169.
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