Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

te


desprezar as observações com base nas quais Granet procedeu a uma
reconstrução efetivamente arbitrária, mas observações que oferecem ao
sociólogo matéria para proveitosas reflexões.
Depois de ter limpado o terreno por estas observações preliminares,
podemos passar ao estudo dos fatos recolhidos por Granet. Propomo·nos
mostrar que estes fatos talvez não tenham nenhuma incidência sobre o
sistema matrimonial, conforme sugeriram alguns adversários. Mas, se têm,
devem ser interpretados diferentemente, quer dependam de culturas e
regras de casamento heterogêneas que coexistiram na China no mesmo
momento, quer se ordenem em uma seqüência histórica inversa da que
foi proposta por Granet. Compete aos sinólogos julgar qual dessas hi-
póteses corresponde melhor aos fatos conhecidos. Do ponto de vista
particular de nosso trabalho, conduzem ao mesmo resultado, isto é, a
ficarmos sabendo que regras do casamento fundadas sobre a troca ge-
neralizada em certo período da história chinesa, ou pelo menos em certas
regiões da China, devem ter estabelecido uma ponte entre os sistemas,
idênticos entre si, do extremo sul e do extremo norte, os Katchin de um
lado e os Gilyak do outro.

Podemos resumir da seguinte maneira a argumentação de Granet:
um número considerável de fatos, tomados principalmente da organização
do culto dos antepassados e da regulamentação dos graus do luto, indicam
que os antigos chineses conceberam o parentesco não em forma de uma
série de graus, mas de uma hierarquia de categorias." Por outro lado,
a distinção fundamental entre próximos internos (todos os membros do
mesmo clã agnático, mais as mulheres casadas no clã), e próximos exter-
nos (todos os outros próximos, membros de clãs diferentes) implica
que um sistema de equivalências deve ser estabelecido entre as duas
categorias. Este sistema de equivalências deve atender a duas condições,
a saber, o casamento faz-se entre portadores de nomes de família dife-
rentes membros de gerações idênticas. Somente neste caso o sistema pode
funcionar, daí, no direito familiar chinês, o horror aos casamentos con-
traídos entre membros de duas gerações consecutivas, mais forte ainda
do que o horror do incesto propriamente dito." Ora, "para evitar qual-
quer obliqüidade ou desequilíbrio bastaria que os casamentos se fizessem
sempre entre primos e primas não agnáticos". ". Mesmo no Código Civil
chinês moderno, o artigo 983 deve "de maneira inteiramente implícita,
por uma disposição artificiosa do texto", ,,, dar caráter legal ao sororato
e ao levirato, acompanhantes habituais do casamento dos primos cruzados,
e ao casamento entre primos (aliados ou consagüíneos) distíntos dos
agnáticos, isto é, abr'lngendo os primos cruzados.
Um sistema deste tipo, fundado no casamento dos primos cruzados
e na oposição das gerações consecutivas, pode ser facilmente interpretado
em função do princípio das gerações alternadas, a saber, em grupos que
praticam a filiação bilateral (isto é, onde o nome local se transmite em
linha materna e o nome familiar em linha paterna, ou inversamente>, o


  1. Granet, Categories, p. 22.
    18. Idem, p. 34-49.
    19. Idem, p. 37.

  2. Idem, p.14.


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