Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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reproduz. Assim, é posslvel dizer, conforme faz a antiga literatura, que
existe um regime onde a regra de exogamia desaparece depois da quinta
geração.
As regras do luto, o culto dos antepassados e o sistema de parentesco
convergem, pois, para a hipótese do sistema de oito classes, que explica
todas as suas particularidades. B. Seligman orienta-se para a mesma con-
clusão quando declara: uÉ um fato significativo que os termos antigos
que servem para designar os aliados, descritivos na te.rminologia moderna,
sejam típicos de um sistema classificatório com casamento dos primos
cruzados. Quando nos lembramos também que, no sistema antigo, oca·
samento no interior do clã era autorizado depois da quinta geração (in-
clusive), e que ainda na época atual a obrigação do luto pelos ascendentes
e descendentes extingue-se na quinta geração, e que um novo ciclo de
luto recomeça, somos então levados a reconhecer mais do que um simples
valor de probabilidade na hipótese de um antigo sistema de classes com
gerações alternadas, do tipo existente na Austrália"." Está ai, um esboço
de toda a teoria de Granet.
Este último funda·se em outros argumentos, tomados da nomencla-
tura do parentesco. Já os encontramos. Referem-se à distinção dos aliados
em houen e em yin, e à especialização. respectivamente masculina e femi-
nina, dos pares reciprocos kieou e cheng, kou e tche (transcrição de Fêng:
chiu e shêng, ku e chih). Além disso, kieou aplica-se não somente ao irmão
da mãe/pai da mulher, mas ao cunhado houen (irmão da mulher). E
simetricamente, cheng designa, além do filho da irmã/esposo da filha, o
cunh'ãdo' yin (marido da irmã). Granet e Fêng" estão de acordo em in·
terpretar esta extensão como um caso de tecnonimia, problema que será
discutido no capitulo seguinte. Mas Granet encontra ai também uma so·
brevivência do casamento com a filha do irmão da mãe, e a este respeito
são necessárias algumas observações. Se considerarmos primeiramente
kieou·chiu, a extensão deste termo ao irmão da mulher aparece, pela
primeira vez, no Hsin T'ang Shu, obra do século XI d.C.," isto é, de
uma época na qual a existência do suposto sistema de oito classes está
fora de questão (mas talvez não do casamento com a filha do irmão da
mãe, que é ainda praticado atualmente no Yunnan, como Hsu teve de
reconhecer mais tarde>. Cheng/shêng aparecem no Ehr Ya com o triplice
sentido de marido da filha, filho da irmã e marido da irmã, mas, segundo
Fêng, o termo designa também, nessa época, o irmão da mulher, o filho
da irmã do pai, e o filho do irmão da mãe, o que só se explica como
sobrevivência do casamento entre primos cruzados bilaterais.·~ Por con-
seguinte, a simetria postulada por Granet não parece rigorosa. Os termos
têm uma conotação mais ampla do que a invocada por ele e, além disso,
a simetria só aparece com dez ou doze séculos de afastamento. Seria
preciso, finalmente, por explicar da mesma maneira o único outro caso
em que, no Ehr Ya, um mesmo termo é aplicado aos membros de duas
gerações consecutivas, shu, para irmão mais moço do pai e irmão mais


  1. B. Seligman, Comple rendu de Fêng, op. cit., em American Anthropologist,
    vol. 41, 1939.

  2. Granet, op. cit., p. 210 Fêng, op. cit., p. 19488; Teknonymy as a Formative
    Factor in the Chinese Kinship Sy8tem. American Anthropologist, vol. 38, 1936.

  3. Fêng, op. cit., p. 195-196. Hsu, op. cit., p. 263.

  4. Fêng, p.l90.


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