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Esta dificuldade é ainda mais séria quando se invoca, como faz Fêng,
duas formas inversas de tecnonlmia ao mesmo tempo. Um homem chama,
com efeito, seu cunhado, chiu, porque emprega, com referência a ele, a
linguagem de seus filhos, mas chama a Irmã de sua mãe yi, porque em·
prega com relação a ela a linguagem de seus parentes. Em que condições
esses doi,s processos Inversos pOdem coexistir? J1: verdade que a data
respectiva do aparecimento deles é muito afastada uma da outra, uma
vez que 15 séculos as separam. Mas então seria preciso determinar que
modificações concomitantes se produziram na família chinesa. O recurso
geral à tecnonlmia não fornece uma solução aos problemas levantados
pela extensão dos termos. A tecnonimia, e cada uma de suas formas, tão
diferentes entre si, devem ter uma razão, ou antes, segundo os casos,
razões, não sendo legitimo apelar para ela como um principio gratuito.
No caso de yi, sentimo·nos fortemente tentados a nos separar de
Fêng. Dissemos que a extensão do termo à irmã da mãe é antiga, da·
tando,lIo que parece, do século VI aC, o que bastaria para isolá·la dos
outros casos estudados." Vimos que, para explicar este fenõmeno, Fêng
deve propor a hipótese de uma verdadeira "tecnonimia às avessas". Granet
sugere uma explicação pelo casamento do filho com a viúva do pai, e
cita exemplos que Fêng discute, acentuando que estes casos não são
citados pelos cronistas senão porque os condenam com indignação. " Mas,
se era preciso condenar. isto demonstra que a coisa se praticava. Prati-
cava·se,ao menos, na área geográfica, porque Fêng e Granet referem·se
às criticas feitas pelos antigos escritores aos Hsiung·nu, população de pas-
tores das estepes do norte, justamente porque casavam-se com a viúva
de seu' paI. Se acrescentarmos o fato, bem observado por Granet, do
casamentô com a madrasta incluir-se facilmente no mesmo sistema que
permite o casamento com a viúva, ou a noiva, do filho," e que este
último costume pode ser posto em correlação, por sua vez, com o do
casamento preferencial com a filha do irmão da mulher, deve reconhecer-
se que existe aí todo um conjunto de fatos notavelmente sugestivos,
tendentes todos para a mesma conclusão. Ao aceitar, assim, a explicação
pela tecnonlmia, Granet superdetermina portanto esta conclusão.
Granet não hesitou em enunciar esta conclusão na forma inutilmente
complicada da hipótese de um sistema de oito classes, intercalando-se
entre o sistema de quatro classes, atribuído aos tempos arcaicos, e a
liberdade moderna. Já acentuamos e criticamos o caráter espeCUlativo
desta reconstrução. Mas, se a reduzirmos à sua expressão mais simples,
isto significa que houve na China um periodo, ou. regiões, que conhece-
China, é mais complexo do que o problema habitualmente designado pelo termo
tecnonimia (mesmo empregando este último no sentido largo que lhe dá Fêng) , A
nomenclatura falada parece constantemente diferente da nomenclatura escrita e ser-
ve antes de tudo para traduzir situações concretas: "quando a pessoa se dirige a
Um filho do irmão da mãe chama-o irmão". Mas quando se refere a ele emprega
o termo que o distingue de um verdadeiro irmão" (F. L. K. Hsu, The Differential
Fnnction of Relationship Terms, American Anthropologist, voI. 44, 1942, p. 250). Há,
portanto, "categorias diferentes de termos, que podem corresponder a outras tantas
situações especificas" (ibid., p. 256).
- Fêng-, op. cit., p. 199.
- Granet, La Civilisation chinoise, p. 401; Catégories matrimoniales, p. 65-00.
- Ibidem, p. 66-73.
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