Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

embora evidentemente os comentadores da época T'ang, e posteriores,
tivessem interesse em fazê-la passar como tal.


Encontramos em uma obra traduzida em inglês por Shryock, e cujo
autor, Ch'en Ting, vivia no século XVII, '" a curiosa confirmação de que
os costumes arcaicos tenham podido possuir muito vasta difusão e te-
nham sobrevivido às vezes durante longos séculos. Este jovem chinês
conheceu a aventura de um casamento numa família nobre, pertencente
a uma população que chama Mia0, do sul da China. Esta população dis-
tribuia-se em quatro clãs "aliados pelo casamento, geração após geração".
Quando uma filha mais velha se casava era acompanhada por oito damas
de honra, ou concubidas. "Assim, diz o autor, era preservado o antigo
costume dos nobres casarem-se com nOve mulheres ao mesmo tempo",
Insiste sobre o arcaísmo e o conservadorismo dos Mia0. .. Seus costumes
eram primitivos, semelhantes aos das três dinastias". Na verdade, as oito
concubinas Mia0 não se dividem em três lotes, mas em dois. Habitam
edifícios laterais atrás do terceiro vestíbulo "quatro de cada lado". Não
são necessariamente mais moças que a mulher principal, e nada indica
que algumas pertençam a uma geração diferente. "Entre as oito con-
cubinas quatro pertencem ao clã de minha mulher e quatro provêm de
famílias ricas. Quanto à idade, minha mulher achava-se exatamente no
meio. A mais velha tinha quatro anos mais, a mais moça quatro anos
menos, havendo uma diferença de um ano entre cada uma delas". Tudo
isto é muito· diferente do casamento yin, e o autor interpreta, quando
declara todos esses traços "de acordo com o costume dos Chou". ,. Mas
não esqueçámos que estamos na segunda metade do século XVII, e
mesmo admitindo que velhos costumes de pelo menos dois milênios, e
talvez mais, devam ser profundamente alterados, a persistência de traços
essenciais, depois de tão longo período, não índica sem dúvida que na
origem fossem raros e quase anormais. Ch'en Ting e a tradição popular
que invoca dão provas de um sentido sociológico mais justo do que Fêng
nesta observação, que aparece na conclusão da obra: "Os costumes das
três dinastias, desde muito tempo caídos no esquecimento na própria
China, acham-se assim conservados nas fronteiras. Diz um velho provérbio:
"Quando um cerimonial está perdido, procurai-o entre as pessoas simples".
Agora, não é mais entre os simples que se pode encontrá-lo, mas entre
os Mia0. Que tristeza!" ."
Um detalhe da descrição de Ch'en Ting merece reter especialmente
a atenção. É a afirmação de que os quatro clãs Mia0 são "aliados pelo
casamento, geração após geração", devendo a filha mais velha da pri-
meira mulher casar-se com o filho mais velho da primeira mulher dé
uma das outras famílias. O autor não dá nenhuma indicação sobre o tipo


um lado em nome de sanções sobrenaturais que recaem sobre os culpados de uniões
obliquas (sogro e nora, filha e pai, etc.), e por motivos de ordem na terminologia:
"Como vai ela agora chamar seu pai!" (p. 127). Tudo isto sugere uma menor repug-
nância com relação às uniões obliquas do que Fêng afirma (cf. Francis L. K. Hsu,
The Problem Df Incest in a North China Village. American Anthropologist, vaI. 42,
1940).


  1. J. K. Shryock, Ch'en Ting's Account of the Marriage Customs Df the Chiefs
    Df Yunnan and Kueichou. American Anthropologist, vaI. 36, 1934.

  2. Ibidem, p. 531-544
    40
    Ibidem, p. 547_


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