Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

um sistema no qual as regras de residência têm uma influência igual às
regras de filiação, e onde o funcionamento harmonioso depende a tal ponto
da forma assumida pela disposição espacial dos grupos. Shirokogoroff
supõe que, nas migrações, os clãs são obrigados a Viajar por pares, a fim
de respeitar as leis da exogamia, "verdadeira espinha dorsal da f>rgani·
zação social dos Tungu"." Seria para eles manifestamente muito mais
dificil viajar em grupos de três ou em número mais elevado. Todos os
fatos concordam, portanto, para indicar a regressão da troca generali·
zada à troca restrita.
O exame do sistema Mandchu irá conduzir-nos à mesma conclusão.
Mas neste caso teremos de enfrentar particulares dificuldades, que nem
sempre o minucioso estudo consagrado a esse sistema por Shirokogoroff
permitirá superar. O sistema Mandchu pode ser, com efeito, considerado
o verdadeiro "quebra-cabeças chinês" da teoria dos sistemas de paren-
tesco. Para começar, estamos diante de uma mistura, freqüentemente inex·
tricável, das fórmulas de troca restrita e de troca generalizada. Em
segundo, lugar, talvez, da passagem da filiação matrilinear à filiação patri·
linear. Finalmente, todos os elementos do sistema primitivo foram Objeto
de novo arranjo por influência do sistema chinês, cujos grandes prin·
cipios de classificação recobriram as formas antigas. O resultado é um
número praticamente ilimitado de termos de parentesco, a maioria com·
posta de termos mais simples combinados e recombinados entre si, sem
que seja possível, na maior parte dos casos, e sem o auxílio - que
seria aqui particularmente desejável - do lingüista, discernir quais são
os termos, ou as raízes, que formam a nomenclatura elementar.
Como ponto de partida de nossa excursão neste labirinto escolhe·
remos um aspecto, por si mesmo obscuro, do sistema chinês. O Shu
Ching classifica os termos de parentesco segundo os chiu tsu, "os nove
graus de parentesco". Entre os comentadores clássicos foi matéria de
debate o que deve ser entendido por esses nove graus. A escola antiga
queria conservar os termos, incluídos nos nove graus, para os parentes
clânicos, ou seja, portanto, nove gerações, quatro acima e quatro abaixo
da geração do sujeito. Ao contrário, a nova escola vê nos nove graus os
quatro grupos de parentes paternos (o pai, seus ascendentes, descen·
dentes e colaterais masculinos; as irmãs do pai e seus descendentes; as
irmãs do Ego e seus descendentes; as filhas do Ego e seus descendentesl,
os três grupos de parentes maternos (pai e mãe da mãe; irmãos da
mãe; irmãs da mãe l e os dois grupos de parentes da mulher (pai da
mulher; mãe da mulher)."
É uma coisa notável que a classificação dos parentes no sistema
Mandchu, conforme o ponto de vista pelo qual o consideremos, seja
aproximadamente conforme, de maneira exata, a uma ou outra interpre-
tação. Shirokogoroff explica que o clã, ou mokum, é dividido em classes
(dalan) e que, para conhecer a posição exata de uma pessoa no mokum,
faz·se-lhe imediatamente a pergunta: "a que classe pertence?" '" Estas
classes podem ser em número de sete, isto é, três gerações acima e três



  1. Ibid., p. 155 e 210; cf. no capo XXVII a hipótese análoga, formulada pela
    srta. McConnel, para explicar uma evolução do mesmo tipo entre os indígenas da
    península do cabo York.

  2. Fêng, The Chinese Kinship System, op. cit., p. 204-205.

  3. Shirokogoroff, Social Organization 01 the Manchus, op. cit., p. 44.


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