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I
CAPITULO XXIV
o Osso e a Carne
Quando passamos dos sistemas de parentesco extremo-orientais aos da
índia não entramos, propriamente falando, em um terreno novo_ Do
Tibete e do Assam até a Sibéria, passando pela China inteira, encontra-
mos, como "leimotiv" da teoria indígena do casamento, a crença de que
os ossos vêm do lado do pai e a carne do lado da mãe_ Desde os tempos
proto-históricos, a índia arvora a mesma divisa. De fato, é a índia que
fornece a expressão mais antiga dela, porque, conforme já foi mencionado,
a idéia encontra·se no Mahabharata.' Esta recorrência de um tema fun·
damental oferece considerável interesse. Lembramo-nos que no Tibete a
distinção em "parentes do osso" e "parentes da carne" está objetivamente
ligada à fórmula da troca generalizada, e o mesmo aconteceu provavelmente
na China e na Sibéria. O que é preciso acentuar aqui é que esta distinção
revela-se inéompatível com um sistema de troca restrita. Refere-se, com
efeito, não 'aãs indivíduos - pai e mãe, que contribuiriam cada um por
seu lado para a formação do corpo da criança - mas aos grupos ou
linhagens, cuja cooperação, na aliança matrimonial, e mediante esta, é
exigida para constituir a unidade do casal que os tibetanos chamam 18ha-
8han e os Gi1yak pandl, "os que nasceram", e que, também entre os chi-
neses, deve a existência à aliança dos houen e dos yin. Ora, em um sistema
de troca restrita cada grupo é ao mesmo tempo "osso" e "carne" porque
dá, falando a linguagem da escola, pais e mães, ao mesmo tempo e na
mesma relação. Em um sistema de troca generalizada, cada grupo dá
também pais e mães, porém não mais segundo a mesma relação. Em
face de um grupo A, um grupo B é doador de mães exclusivamente isto,
ao passo que A é, para si mesmo e para B, somente doador de maridos
(embora para um terceiro grupo D seja também doador de mulheres).
Dois grupos dados, A e B, B e C, C e n, e n e A, formam pois sempre,
um com relação ao outro (isto é, com relação aos pandl nascidos de um
e de outro), um par de oposições no qual um grupo é "osso", e apenas
isso, o outro "carne", e nada mais do que isso. Se aceitarmos esta análise,
deveremos concluir que a distinção entre "osso e carne", todas as vezes
que a encontramos nessa forma, ou outra equivalente, acarreta forte coe-
ficiente de probabilidade em favor da existência, antiga ou atual, de um
sistema de troca generalizada.
De fato, os exemplos desse sistema não faltam na índia. Para reduzir
as despesas do casamento, diz Hodson, várias castas praticam o casa-
mento por troca. Este aparece em duas formas: uma conhecida pelo
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