Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

I


desse às seguintes condições: dicotomia dos primos cruzados em matri
laterais e patrilaterais, diferenciação da prima matrilateral relativamente
às outras mulheres do clã materno. Encontrou-a no desdobramento de
um sistema de troca generalizada simples (tal como a que foi descrita por
Hodson) em um sistema bilateral, mas sempre fundado sobre a troca
generalizada.
Mesmo se tivesse razão, seria preciso que a troca generalizada exis-
tisse como condição do sistema derivado. Held encerra-se no mesmo cIr-
culo que Granet. Para explicar certas anomalias (ou particularidades, con-
sideradas como tais) de um sistema simples, ambos supõem a existência
anterior de um sistema mais complexo, do qual o sistema simples seria
uma espécie de resíduo ou vestígio, sem perceber que o primeiro não teria
podi.do nascer senão como desenvolvimento do segundo, que por con-
seguinte deve ter preexistido a ele. Deve-se render homenagem a Held
por sua penetrante critica da noção de filiação, sem acompanhá-lo até às
últimas conclusões. O fato do modo de filiação não constituir nunca um
traço essencial de um sistema de parentesco não implica que "os caracte-
res bilaterais são caracteres normais das organizações primitivas", '" Se
Held quer dizer com isso que nenhuma sociedade humana ignora radi-
calmente uma das linhas, a verificação não é nova. H Se, ao contrário,
pretende dizer que todos os grupos humanos recorrem às duas ascendên-
cias na determinação das regras do casamento, nada é mais inexato, sendo
possivel acumular exemplos de grupos nos quais a filiação é (relativa-
mente aó <casamento) ou inteiramente patrilinear ou inteiramente matri-
linear, e 'mesmo nos quais, na ausência de regra exata de filiação, apela-se
para uma :teoria rigorosamente unilateral da concepção."
Seria um erro concluir da descoberta de organizações bilaterais a
existência de uma espécie de confusão ou identificação das ascendências
Exceto raras exceções, todas as organizações conhecidas são unilaterais.
Acontece, porém, que algumas delas (que não constituem a maioria)
são unilaterais duas vezes, em vez de uma, o que confirma, em lugar
de contradizer, o caráter fundamental da noção de unilateralidade. No
caso particular da índia, conhecemos sistemas patrilineares e também
sistemas matrilineares. É portanto natural que alguns grupos sejam ao
mesmo tempo uma coisa e outra, enquanto a maioria continua sendo ou
de um tipo ou de outro. O fato de no Assam existirem lado a lado orga·
nizações patrilineares e matrilineares, conforme observa Hodson, não au-
toriza a concluir sem abuso que "os sistemas patrilineares e matrilineares
acham-se aí entrelaçados", no mesmo sentido em que são, por exemplo,
entre os Toda. Porque no primeiro caso não são os mesmos grupos que
exibem os dois tipos de organização."
É possivel que a índia arcaica tenha sido matrilinear. Há regiões
inteiras que ainda são. Além disso, certas particularidades são comuns
à índia e à China antigas, principalmente a transmissão do nome e do
clã em linha uterina," sendo curioso que no Tibete (onde as probabi-


  1. Held, p. 56.

  2. Cf. capo VIII.

  3. C. Lévi·Strauss, The Social Use 01 Kinship Terms among Brazilian lndians,
    loe. cito

  4. Held, p. 51·52.

  5. J. Przyluski, Journal asiatique, 1927, p. 177; citado por Held, p. 73. J. H.
    Hutton, Caste in lndia, p. 129.


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