Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

lidades de uma antiga organização matrilinear são muito fortes) as li-
nhagens tenham sido na época dos Han designadas pelo ming do pai
e pelo sing da mãe, o oposto do que se passava na China. ,.
O fato de, ao menos no que se refere a certas dinastias arcaicas, a
ascendência feminina ser melhor conhecida por nós do que a ascendência
masculina, tanto na índia como na China, não tem grande valor por si
mesmo. Mas a coincidência de duas anomalias adquire uma significação
que supera a de cada uma delas, se tivéssemos de tratá-las como casos
isolados. ", Seja como for, não existe certamente nenhum traço de sobre-
vivências matrilineares entre os Aria."" Se fosse possível supor, como fez
Hutton, uma sociedade ariana patrilinear que se tenha implantado sobre
um fundo pré-ariano matrilinear, a presença dos dois tipos seria facil-
mente explicada. Mas provavelmente as coisas são menos simples do que
isso. Assinalamos as afinidades de estrutura entre a sociedade indiana e
os grupos extremo-orientais do norte e do sul descritos nos capítulos
anteriores, que são em geral patrilineares, mas cujo sistema de parentesco
e de casamento (troca generalizada) é também compatível com uma or-
ganização matrilinear. É possível, e mesmo provável, que os sociólogos
decididos a empreender a defesa da teoria segundo a qual todas as so-
ciedades humanas teriam passado de um estágio matrilinear a um estágio
patrilinear tenham sido vítimas de uma ilusão de ótica, e que, na ver-
dade, qualquer grupo humano possa no correr dos séculos desenvolver
aIternadament.e caracteres matrilineares ou patrilineares, sem que os ele-
mentos mais; fundamentais de sua estrutura sejam profundamente afe-
tados. AfirmaT, como faz Held, a universalidade, ou a prioridade, da or-
ganização bilateral, é ainda participar da ilusão da sociologia tradicional,
que atribui valor decisivo ao modo de filiação. Se o modo de filiação
não determina os caracteres essenciais dos sistemas (que são fenômenos
estruturais), não se deve dar-lhe o primeiro papel, apenas com uma apa-
rência transfigurada.
Voltemos à observação de Russell sobre o sistema do casamento na
lndia central. Poderemos tomar como ponto de partida da reconstrução
de um sistema arcaico fatos provenientes das Províncias Centrais, que
certamente não são aquelas onde as instituições primitivas podem ter
sido melhor conservadas? Thurston não menciona os Bhil, contentando-se
em notar a existência dos Kunbi no sul da índia." Mas, para as regras
do casamento Maratha, remete aos Bante, que são matrilineares.^22 A
primeira pergunta que se apresenta, diante das observações de Russell,
consiste em saber exatamente o que quis dizer.·^3 Ora, a propósito dos
Gond de Bastar, sobre os quais possuimos agora estudos modernos,
:.~exprime-se da seguinte maneira: "O casamento é proibido entre indivíduos
aparentados somente por parte dos homens, mas as regras exogâmicas
não criam outro impedimento, e um homem poderia casar-se com qualquer
parenta da linha materna. Há, entretanto, regras especiais que proibem o



  1. M. Granet, Catégories, p. 105, n. 1.

  2. Held, p. 73·74. S. Paranavitana, Matrilineal Descent in the Sinhalese Royal
    Family. Ceylon Journal of Science, Secção G, voI. 2, parte 3. 1933, p. 240.

  3. F. E. Lurnley, Indo-Aryan Society, em Essays in the Science Df Society Pre-
    sented to A. G. I(eller, New Haven 1937.

  4. Ca~tes and Tribes Df Southern India, voI. 4, p. 118.

  5. Ibzd., voI. 5, p. 14; voI. 1, p. 123.

  6. R. V. Russell, 1916, op. cit., voI. I, p. 87.


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