Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

bre certos tipos de bens. ", A índia oferece o exemplo de excepcional de·
senvolvimento do· bilateralismo. mas separa-se unicamente em grau, não
em natureza, dos sistemas dos quais julgamos poder aproximar o seu.
Ao afirmar a existência desta bilateralidade, latente ou aparente, em
todos os sistemas de troca generalizada, não renunciamos de modo algum
à crítica da hipótese do bilateralismo universal, que propusemos antenor-
mente." Desde éste momento, com efeito, tínhamos distinguido duas
formas de bilateralismo, de um lado, o reconhecimento de duas linhagens,
às quais é atribuído um papel mais ou menos semelhante, embora sua
respectiva importãncia possa ser diferente em grau. Neste sentido estamos
dispostos a admitir a existência do bilateralismo universal. Mas é a um
sistema inteiramente diferente que Held se refere para chegar à mesma
conclusão, a saber, o da especialização das duas linhagens, levada ao ponto
em que a situação social de cada indivíduo resulta da combinação de
dois ou quatro fatores distribuídos "em mosaico", como dizem os genetistas,
e segundo a fórmula desse verdadeiro "mendelismo" sociológico que ins-
pira o sistema das gerações alternadas. Embora seja evidentemente pos-
sível passar do primeiro tipo ao segundo por uma série continua de in·
termediários, não se deve perder de vista que o segundo tipo representa
uma forma aguda de especialização. Não se poderia concluir da genera-
lidade da forma virtual à universalidade da forma desenvolvida. Um es-
pírito engenhoso poderia, sem dúvida, traduzir todos os sistemas de pa-
rentesco e de casamento em termos de classes matrimoniais, como um
lógico da escola pode dar a aparência silogística a todas as formas de
atividade mental. Daí não se conclui na verdade que uns e outras sejam
produto de tais mecanismos.
Que image.m podemos fazer portanto do desenvolvimento da estrutura
social da índia? Um sistema de clãs, ora patrilineares OTa matrilineares,
mas em todo caso regido pela troca generalizada, teria facilitado ou a
integração hierárquica de um grupo de conquistadores ou a diferenciação
progressiva das situações em uma sociedade homogênea. Não é indiferente
observar, a este respeito, que a sociedade Aria parece ter sido organizada
em regime harmônico, grupos patrilineares e patrilocais, satisfazendo as
condições teóricas de um sistema de troca generalizada." Do ponto de
vista puramente histórico Hutton, assim como Senart, chegaram à con-
clusão de que a fonte do sistema das castas era provavelmente pré-ariana.
Os invasores indo-europeus teriam se contentado em cristalizar, sob forma
de uma hierarquia social, um sistema de proibições preexistente. Daí o
esquema de Manu, com as quatro varna organizadas no interior de uma
estrutura hipergâmica." Se, conforme sugere Mitra," devemos distinguir
as quatro varna em dois grupos, os dwija ou "duas vezes nascidos", e os
8Udra, com a subdivisão do primeiro grupo em três secções, encontraría-
mos, mais facilmente ainda, o modelo das organizações tripartites ainda
presentes entre os Naga.
É problema do historiador saber qual das duas hipóteses mencio-
nadas no parágrafo anterior deve ser preferida. Vimos que, do ponto de



  1. M. Granet, Catégories, p. 158-159. 71. Cf. capo VIII.

  2. Cf. Nares C. Sen Gupta, Early Hlstory of Sonship in India, Man, 1924, nn.
    32 e 42; Putrikã-putra, or the Appointed Daughter's Son in Ancient Law. Journal
    of the RogaI Asiattc Society of BengaI, LeUers, vol. 4, 1938, n. 5.

  3. Hutton, Census of India, 1931, op. cit., p. 437-438.

  4. Prefácio a J. K. Bose, Dual Organization in Assam, op. cit., p. IrI.


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