Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

vista da teoria da troca generalizada, são equivalentes, o que significa
dizer que a noção de casta possui um valor funcional, independente da
origem histórica. A diferenciação progressiva das posições sociais teria
conduzido a uma dupla evolução. Para os clãs aristocráticos (pela origem
étnica ou pela rivalidade social) a evolução teria ocorrido no sentido pri·
meiramente da hipergamia e em seguida da endogamia, com a concomi·
tante constituição do grupo de exogamia interior à casta (por causa da
endogamia), e por conseguinte obrigatoriamente bilateral (sem o que a
casta retrocederia ao clã), das sapinda. Para os clãs clientes ou subju·
gados teria havido uma evolução parcial da troca generalizada no sentido
da troca restrita (por causa da hipergamia, que as exclui pouco a pouco
dos ciclos extensos>, õ:, com a consecutiva subdivisão dos mesmos clãs,
primeiramente em "pequenos gotra" e depois em unidades mais restritas
do tipo purukh, As duas evoluções são portanto divergentes. Uma é mar·
cada pelo caráter sintético, HI expresso no fato de se engendrarem novas
castas pelos casamentos entre as castas, A outra, pelo caráter analítico,
resultante do progressivo desaparecimento dos clãs em proveito de for-
mações secundárias, as quais, por si mesmas, cedem o lugar a formações
de um tipo novamente subordinado.
Mas, à medida que a sociedade indiana se organiza, estas duas linhas
de evolução tendem a convergir, ou, mais exatamente, devem adaptar-se
funcionalmente uma à outra. Vemos as castas aristocráticas adquirirem
divisões artificiais, de caráter mais religioso do que social, com os "gran-
des gotra" governados por uma regra de exogamia imitada dos gôt, muI
ou kul, ao passo que as populações inferiores ou retardatárias tentam
adaptar seu. sistema exogâmico estacionário às complícadas exigências da
regra das sa:p'inda, acrescentando progressivamente novas secções às que
eram primitivamente proibidas. O desenvolvimento ulterior conduz à imi-
tação, pelas populações inferiores, dos "gotra bramânicos", ou porque
criam escolas de ritual seguindo o exemplo de seus sacerdotes ou porque
se filiam às já existentes." Chegamos assim à situação complicada do
norte da lndia e de Bengala, a saber, um singular amontoado de castas,
de gotra, secções epõnimas ou patronimicas e grupos locais, Esta situação
apresenta todas as aparências de um antigo sistema complexo de classes
matrimoniais. Esperamos ter mostrado que estas aparências são ilusórias,
e que unicamente a hipótese de um sistema arcaico simples de troca ge-
neralizada, confirmado por tantos fatos atuais e vestigios de outra ma·
neira pouco compreensíveis. permite esclarecer um quadro até então muito
confuso.



  1. O casamento entre primos cruzados bilaterais era certamente praticado no
    século IV ou V aC (A. D. Pusalker, Criticai Study of the Work of Bhasa, with
    Special Reference to the Sociological Conditions of his Age, Journal 01 the University
    01 Bombay, vaI. 2, 1934, n. 6>' Manu proibiu o casamento entre primos cruzados
    do mesmo modo que o dos filhos de duas irmãs. Isto mostra que essa prática
    não era desconhecida.

  2. "ü impulso que conduz à formação das castas não perdeu de modo algum
    sua força, e podemos estudá-lo em ação em muitos distritos da índia ainda atual-
    mente" (Risley, vaI. I, p. 31),

  3. Na região de Chota Nagpur, Risley observa numerosos exemplos do processo,
    desejado e consciente por parte de tribos inferiores, para se "bramanizaren:t". O
    sistema dos gatTa é imitado e tomado de empréstimo. Estas tendências já eXIstiam
    na época de Manu (Risley, vol. I, p. 15-18; Karandikar, p. 222>.


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