Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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trato, deverá provavelmente comprometer-se a fornecer a primeira filha
que tiver. J'
Mesmo no caso em que a troca das irmãs foi praticada na geração
superior. nada impede que continue e se prolongue entre os dois homens
que trocaram suas irmãs, pela troca das filhas_ Mas dois tipos de homens
têm sempre autoridade virtual sobre a mesma mulher, a saber, seu pai
e seu irmão. Temos, pois, imediatamente, quatro esquemas possíveis de
reciprocidade: troca das irmãs pelos ou para os irmãos, na geração mais
velha ou na geração mais moça, troca das filhas pelos pais, e finalmente
troca de uma irmã por uma filha, ou de uma filha por uma irmã. Os
quatro esquemas podem, aliás, coexistir, um homem não estando limitado
a uma única filha ou a uma única irmã, mas podendo ter várias, nada
impedindo que sejam trocadas segundo modalidades diferentes.
Se, como no esquema da figura 83, o irmão da mãe pretende a filha
de sua irmã, coloca-se imediatamente em uma posição devedora em face
de seu sobrinho, porque este, devido a tal fato, fica privado de mulher
para trocar a fim de obter uma esposa.
O duplo direito que se abre, nas estruturas elementares de reciprocida-
de, em proveito do tio sobre a sobrinha, e do primo sobre a prima, pode
entrar em conflito, conforme já observamos, no caso do casamento com"a
prima cruzada bilateral. Porque nesse caso acontece que um homem e s~u
filho pretendem a mesma mulher. A mesma coisa se reproduz no caso do
privilégio do tio sobre a sobrinha matrilateral, e do primo sobre a prima
cruzada patrilateral. Citamos acima, exemplos dessas situações tomadas
d03 Korava, Koracha ou Yerukala do sul da índia. Mas o tio pode tam-
bém compensar sua situação devedora de duas maneiras: ou cedendo ao
seu sobrinhõ uma de suas mulheres, ou abrindo-lhe o direito de herança
sobre sua mulher depois de morrer, como acontece freqüentemente na
Africa,:I:I ou ainda dando-lhe em casamento sua filha, isto é, a prima cru-
zada matrilateral. A troca pode, portanto, produzir-se entre o sobrinho
e o tio, isto é, de maneira oblíqua entre duas gerações sucessivas, e nesse
caso o tio renuncia, com relação ao sobrinho, à posição de irmão da mãe
para adquirir uma posição diferente, a de cunhado, atual ou potencial.
Esta posição de cunhado potencial constitui a base comum do casa-
mento avuncular e da assistência fornecida pelo tio ao sobrinho no mo-
mento do casamento. Uma e outra são pois corolários da estrutura, mais
fundamental, da troca.

As expressões do parágrafo precedente devem ser entendidas em sen-
tido simbólico e têm apenas valor metafórico. Nada está mais longe de


  1. A. P. Lyons, paternity Beliefs and Customs in Western Papua. Man, vol. 24,
    n. 44, 1924.

  2. E também na Sibéria e na costa noroeste da América do Sul. É impressio-
    nante que, nessas regiões - pela razão que acaba de ser indicada - o tio e o
    cunhado representam o mesmo tipo de riscos e de acontecimentos. Constituem, pelo
    mesmo motivo e da mesma maneira, o .elemento perigoso da vida aleuta (V. JocJ:telson,
    Aleutian Ethnographical and Linguistic Material, mss. na New York Public Llbrary.
    Cf. particularmente os contos nn. 6 12 13, 17, 24, 39, 49, 54, 58, 65>' Nos contos
    tlingites, o tio materno teme contiÍlUamente encontrar em seu sobrinho um riyal
    no amor de sua mulher mais jovem, e procura matá-lo (J. R. Swanton, Tlingit Myths
    and Texts, Bureau Df American Ethnology, Bulletin 39). A mesma situação repete-se
    na América do Sul no Xingu (C. Lévj·Strauss, The Tribes of the Xingu, em Handbot)k
    of South American Indians Bureau Df American Ethnology, vaI. 3, Washington 1948).


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