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se dirigir ao tio materno de sua mulher, exprime uma relação de paren·
tesco que pode ser ou não atual, mas que é implicada no sistema como
virtualidade permanente. É provável que a regra acima mencionada, se-
gundo a qual um homem só pode esposar a filha de sua irmã mais velha,
mas não a filha de sua irmã caçula, tenha por fim evitar o possível con-
flito entre o pai e o filho, uma vez que a sobrinha nascida da irmã mais
moça permanece disponível para seu primo cruzado matrilateral, de acor-
do com a regulamentação do casamento em vigor entre os Korava.
Encontramos, portanto, dois tipos de relação entre o tio e o sobri-
nho. Há, de um lado, a assistência fornecida pelo tio ao sobrinho por
ocasião do casamento, e de outro lado o privilégio matrimonial do tio
materno sobre a filha de sua irmã, que abre assim, para ele, um tipo
especial de relações com seu sobrinho matrilateral. Ora, se é permitido,
pelo menos teoricamente, ligar as relações do primeiro tipo à filiação
matrilinear, isto é evidentemente impossivel no segundo, porque o tio
materno seria levado a ter o mesmo nome, ou a pertencer ao mesmo
grupo exogãmico (em todo caso à mesma metade) que a filha de sua
irmã, e por conseguinte não poderia casar-se com ela. Por esta razão, os
Nayare matrilineares proibem expressamente esse tipo. O privilégio ma-
trimonial do irmão da mãe sobre a filha da irmã só é concebivel em um
regime de filiação patrilinear, ou em um regime que não admite ainda a
sistemática da filiação. Os indigenas brasileiros justificavam-no aos mis-
sionários do século XVI por uma teoria unilinear da concepção, que re-
servava ao ;pai exclusivamente o papel ativo. '" Ao contrário, estes dois
tipos de relação, freqüentemente coexistentes, e que parecem, quando se
invoca a filiação, marcados por caracteres contraditórios, fundem-se har-
moniosamente quando os interpretamos à luz da estrutura da troca, que
está na base qo casamento avuncular, assim como do casamento dos pri-
mos cruzados.
Existe, com efeito, uma estrutura de reciprocidade ainda mais sim-
ples do que aquela que se estabelece entre dois primos cruzados. É a
que resulta da reivindicação que um homem, que cedeu sua irmã, pOde
formular sobre a filha desta irmã (Figura 83).
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Figura 83
A filha da irmã é a primeira contrapartida possivel que possa apa-
recer para a cessão de uma irmã, na ausência de uma irmã fornecida em
troca pelo novo cunhado. Esta relação é muitas vezes de todo clara para
o pensamento indígena. Assim é que na Papuásia Oriental, onde reina a
filiação patrilinear, os homens decidem dos casamentos, habitualmente
com base na troca das filhas. Se um dos participantes não tem filha, ou
irmã não casada, para dar em troca nO momento da conclusão do con-
- C. Lévi-Strauss, The Social Use of Kinship Terms ... , op. cito
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