Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

Vê-se, portanto, que uma estrutura de reciprocidade pode ser sem-
pre definida em duas perspectivas diferentes, uma paralela, isto é, na
qual todos os casamentos fazem-se entre membros da mesma geração,
e uma perspectiva obliqua·, de acordo com a qual um casamento, entre
membros da mesma geração, é compensado por um casamento entre
membros de duas gerações consecutivas (às vezes não consecutivas, como
em várias tribos australianas e melanésiasl. O mesmo grupo pode tam-
bém reconhecer simultaneamente as duas perspectivas. conforme fazem
certas tribos do sul da índia e da América, as quais acumulam o casa-
mento avuncular e o casamento dos primos cruzados. Vemos, finalmente,
como a perspectiva "paralela" permite realizar, a qualquer momento, um
estado de equilíbrio do grupo, uma vez que cada homem de determinada
geração sempre encontra - pelo menos teoricamente - um correspon-
dente de outro sexo em sua própria geração, ao passo que a perspectiva
"obliqua" acarreta perpétuo desequilíbrio, pOis cada geração tem de es-
pecular sobre a geração seguinte, porque, em sua própria geração, foi
lesada pela geração precedente.
Está claro que o casamento com a filha da irmã do pai ajusta-se,
melhor que seu correlato matrilateral, a uma posição inicial do proble-
ma da reciprocidade na perspectiva "obliqua". Considerado deste ponto
de vista, podemos interpretá-lo, de maneira plausivel, como resultado
do fato de um homem que cedeu sua irmã reivindicar, em troca desta,
sua filha por :nascer, para ele próprio ou para seu filho. Esta definição
do casamento' com a filha da irmã do pai ressalta já da Figura 84. Mas
é possivel fo~necer a verificação experimental dela. Entre as tribos do
sul da índia: que praticam esta forma de casamento, tal modalidade,
dizem os observadores, resulta de reivindicação, feita pelo irmão da mãe,
sobre a filha de sua irmã para seu próprio filho. São as mesmas tribos
que praticam o casamento com a filha da irmã do pai as que oferecem
os melhores exemplos do casamento com a filha da irmã. Isto é, as duas
formas de casamento são dadas simultaneamente, e mesmo em certos
grupos de lingua telugu o casamento COm a prima é um substituto do
casamento com a sobrinha. O estudo dos fatos concorda, pois, com a
análise teórica, no sentido de apresentar o primeiro como função do
segundo. O fato de, entre os Tottiyan e muitos outros grupos, o pai
tomar o lugar do filho demasiado jovem para cumprir deveres conjugais
vem ainda confirmar esta maneira de ver.
Do ponto de vista psicológico e lógico, as duas perspectivas unilate-
rais traduzem atitudes diferentes. A perspectiva "paralela" conduz a re-
sultados mais satisfatórios quanto à regularidade da estrutura e à atmosfera
"afetiva que contribui para realizar. Mas exige que a troca seja adiada,
que a compensação não se faça em proveito dos mesmos indivíduos que
carregam o peso do sacrifício, e finalmente que o mecanismo da troca
funcione com relação ao grupo total e não relativamente aos individuos
imediatamente interessados. Ao contrário, a perspectiva "obliqua" resulta
de uma atitude ao mesmo tempo ávida e individualista. Quem cedeu pro-
cura obter imediatamente uma compensação, e o mais rápido possível,
exigindo-a em forma que mantenha em grau mais elevado o vinculo
concreto 6 substancial entre o que foi dado e o que foi devolvido. Faz
valer menos uma divida do que um direito de reserva de dominio. Isto


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