Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

vadores tão diferentes quanto Hutton, Sternberg e Junod - para citar
apenas estes - a colocar, diante dos mesmos fenômenos, a mesma questão
de saber se sociedades patrillneares não passaram outrora por uma etapa
matrillnear, respondendo à pergunta exatamente da mesma maneira. Es·
peramos ter contribuído para dissipar esta Ilusão.' A contaminação da
troca restrita exprime-se mais em forma extrlnseca, Isto é, cada sistema
apresenta·se simples e coerente, mas sempre atacado por outros sistemas,
fundados em principios que lhe são estranhos.
Será possivel mostrar a razão dessa diferença? Sim, sem dúvida, se,
mantendo·nos fiei às idéias que enunciamos no capitulO VIII, conside-
rarmos que as três estruturas elementares da troca, a bilateral, a ma·
trilateral e a patrilateral, estão sempre presentes no espirito humano,
ao menos em forma Inconsciente, e que o espirito não pode evocar uma
delas sem pensá·la em oposição - mas também em correlação - com
as duas' outras. O casamento matrilateral e o casamento patrilateral
constituem os dois pólos da troca generalizada. Mas opõem·se entre si
como o cicio de troca mais curto ao ciclo de troca mais longa, e ambos
opõem·se ao casamento bilateral como o caso geral ao caso particular -
porque o estudo matemático confirma que, em toda combinação com
vários participantes, o jogo entre dois deve ser tratado como caso par-
ticular do jogo entre três." Ao mesmo tempo, o casamento bilateral
possui, em comum com o casamento patrilateral, o caráter de alternân-
cia, ao passo. que se aproxima do casamento matrilateral pelo fato de
ambos permItirem uma solução global, e não um conjunto de soluções
parciais, coIÍforme acontece com o primeiro. As três formas de troca
constituem ~ojs quatro pares de oposições (Figura 87).
Resta, contudo, um problema que depende, por urna parte ao menos,
da história cultural. O estudo de uma área limitada do mundo, abran-
gendo a tndia, o Extremo Oriente e a Austrália, é, ao mesmo tempo,
necessário e suficiente para definir as leis fundamentais do parentesco
e do casamento. É necessário, porque nenhuma outra região reúne todos
os casos possiveis, nem ilustra tal ou qual dentre eles por exemplos tão
claros. É suficiente, porque, se o resto do mundo reproduz alguns casos
simples, e sobretudo apresente situações mais complexas, estes casos
simples são geralmente menos favoráveis do que os utilizados por nossa
demonstração, e as situações complexas podem ser todas reduzidas às
três formas elementares, Independentemente transformadas ou combina-
das entre si, que procuramos definir.
Esta prioridade lógica corresponde a um privilégio histórico? É ao
historiador das culturas a quem Incumbe procurar a resposta. Para nós,
". que nos limitamos à análise estrutural, bastará justificar rapidamente a
proposição que acaba de ser exposta, segundo a qual as estruturas de
parentesco complexas - isto é, nas quais não há determinação positiva
do tipo' de cônjuge preferido - explicam-se como resultado do desenvol-
vimento ou da combinação das estruturas elementares, embora possamos



  1. Cf. Henri A. Junod. Moeurs et coutumes des Bantous, 2 vols., Paris 1936, p.
    27185; e para Stemberg e Hutton, os caps. XVII e XVII deste trabalho.

  2. J. von Neumann e O. Morgenstern, Theory 01 Games and Economic BehamoT.
    Princeton 1944. p. 47. [Vê-se que desde 1949 eu anunciava esta redução da troca
    restrita à troca generalizada, cujo alcance foi um tanto exagerado por Maybury-Lewis
    e Leach 0960].


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