Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

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:;eU sentido é o mesmo. Outros testemunhos corroboram a mesma tese.
Para os Chukchee, uma "má familia" define-se como uma familia isolada
"sem irmão e sem primo". 13 Por outro lado, a necessidade de provocar
o comentário (cujo conteúdo em todo caso é espontâneo), e a düiculdade
de obtê-lo, revelam o mal-entendido inerente ao problema das proibições
do casamento. Estas só são proibições em caráter secundário e derivado.
Antes de serem uma proibição que afeta uma certa categoria de pessoas
são uma prescrição que visa a outra categoria. Como a teoria indígena
a este respeito é mais clarividente do que tantos comentários contempo-
rãneos! Nada existe na irmã, na mãe, nem na filha que as desqualifique
enquanto tais. O incesto é socialmente absurdo antes de ser moralmente
culpável. A exclamação incrédula arrancada ao informante: Mas então nIlo
queres ter cunhado? fornece a regra de ouro do estado da sociedade.

Não existe, portanto, SOlução possível parl\ o problema do incesto
no interior da familia biológica, mesmo se supusermos esta última já
situada em um contexto cultural que lhe impõe suas exigências espe-
cificas. O contexto cultural não consiste em um conjunto de condições
abstratas, mas resulta de um fato muito simples, que o exprime por
inteiro, a saber, que a familia biOlógica não está sozinha, mas deve re-
correr à aliança com outras familias para se perpetuar. Sabe-se que Ma-
linowski esforçou-se por defender uma concepção diferente, segundo a
qual a proibit;ão do incesto resultaria de uma contradição interna, no
próprio seio aa familla biológica, entre sentimentos mutuamente incom-
patíveis, por êliemplo, as emoções ligadas às relações sexuais e o amor
pelos pais, ou "os sentimentos naturais que se travam entre irmãos e
irmãs" ... Estes sentimentos, entretanto, só se tornam incompatíveis por
motivo do papel cultural que a familla biológica é levada a desempenhar.
O homem tem de ensinar a seus filbos, e esta vocação social, exercendo-se
naturalmente no meio do grupo familiar, estaria irremediavelmente com-
prometida se emoções de outro tipo viessem perturbar a disciplina indis-
pensável à manutenção de uma ordem estável entre as gerações. "O in-
cesto equivaleria à confusão das idades, à mistura das gerações, à desor-
ganização dos sentimentos e a uma inversão brutal de todos os papéis, no
momento exato em que a familia representa um agente educativo de pri-
meira importãncia. Nenhuma sociedade poderia existir em semelhantes
condições" .. s
É lastimável, para esta tese, que não exista praticamente nenhuma
SOCiedade primitiva que não lhe inflija uma contradição flagrante sobre
cada ponto. A familia primitiva termina sua função educativa mais cedo
que a nossa, e desde a puberdade - e muitas vezes até mesmo antes -
transfere para o grupo a carga dos adolescentes, cuja preparação é en-
tregue a casas de solteiros ou círculos de iniciação. Os rituais de iniciação
sancionam esta emancipação do jovem ou da jovem da célula familiar,
e sua definitiva Incorporação ao grupo social. Para chegar a esta fina·
lidade, estes rituais apelam exatamente para os processos cuja eventuali-


  1. W. Sogaras, The Chukchee, op. cit., p. 541.

  2. B. Malinowski, Prefácio 8 H. Ian Hogbin, Law and Order in Polynesia, Lon-
    dres 1934. p. 66.

  3. B. Malinowski, Sex and Repression in Savage Society. Nova Iorque 1927, p. 251.


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