cônjuges possíveis não se apresenta nunca - apesar das aparências que
acentuamos acima - como uma categoria endógama. Os primos cruza-
dOS são menOs parentes que devem casar-se entre si do que os primeiros,
no grupo dos parentes, entre os quais o casamento é possível, desde o
momento em que os primos paralelos são classificados como irmãos e
Irmãs. Este caráter essencial foi freqüentemente ignorado, uma vez que
o casamento entre primos cruzados era, em certos casos, não somente
autorizado mas obrigatório. É obrigatório, desde que possível, porque
fornece o sistema de reciprocidade mais simples de conceber. Procura·
remos, com efeito, mostrar mais adiante que o casamento entre primos
cruzados é essencialmente um sistema de troca. Mas, enquanto neste
caso bastam somente dois casamentos para manter o equilíbrio, um cio
cio mais complexo, e por conseguinte mais frágil, cUja feliz conclusão
é mais incerta, torna·se necessário quando a relação de parentesco en·
tre os cônjuges é mais longinqua. O casamento entre estranhos é um
progresso social (porque integra grupos mais vastos), mas é também uma
aventura. A melhor prova de que a determinação dos primos cruzados
resulta somente da eliminação da classe proibida (por conseguinte, que
a endogamia neste caso é realmente uma função da exogamia, e não o
contrário), é que não se produz nenbuma perturbação se o cônjuge po·
tencial, apresentando o grau requerido de parentesco de primo, falta.
É então substituído por um parente mais afastado. A categoria dos côn-
juges possiveis em um sistema de união preferencial nunca é fechada.
Tudo quanto não é proibido é permitido, embora às vezes somente em
certa ordem e até certo ponto. No entanto, esta preferência explica·se
pelo mecanismo das trocas próprio do sistema considerado, e não em
razão do caráter privilegiado de um grupo ou de uma classe.
A diferença entre as duas formas de endogamia é particularmente
fácil de fazer quando se estudam as regras matrimoniais de sociedades
fortemente hierarquizadas. A endogamia "verdadeira" é tanto mais aceno
tuada quanto mais elevado o nível ocupado pela classe social que a
pratica. Assim, acontece no antigo Peru, nas ilhas Havaí e em certas trio
bos africanas. Sabe·se, ao contrário, que se trata de endogamia "funcio·
nal" todas as vezes que a relação é invertida, isto é, que a endogamia
aparente diminui à medida que nos elevamos na hierarquia. Os Kenyah
e os Kayan de Bornéu são divididos em três classes desigualmente pri·
vilegiadas, e normalmente endógamas. Entretanto, a classe superior está
obrigada à exogamia de aldeia." Como na Nova Zelândia e na Birmânia,
a exogamia define-se, pois, com precisão no vértice da hierarquia social,
sendo função da obrigação que as famílias feudais têm de manter e
ampliar suas alianças. A endogamia das classes inferiores é uma endo·
gamia de indiferença, e não de discriminação.
Deve-se, finalmente, considerar o caso em que a união preferencial
é determinada não diretamente por uma relação de parentesco mas pelo
fato de pertencer a um clã ou a uma classe matrimonial. Neste caso
estamos em presença de grupos constituídos. As obrigações matrimoniais
que ligam estes grupos dois a dois não equivalem à constituição de ca-
tegorias endogâmicas "verdadeiras", cada uma delas constituída por uma
equipe de dois clãs ou classes que praticam o intercasamento? Mas na
realidade as coisas são menos diferentes do que parecem. As classes e
- Ch. Rose e W. McDougalI, The Pagan Tribes of Borneo, Londres 1912, voI.
- p. 71 e 74.
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