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subclasses australianas são menos grupos definidos em extensão do que
posições, ocupadas alternativa ou sucessivamente pelos herdeiros de uma
filiação ou pelos colaboradores de uma aliança. No caso dos índios Bo-
roro, estudados por nós em 1936, a situação é menos clara, porque as
preferências matrimoniais parecem ligar dois a dois diretamente os clãs
e não as classes. Mas então são os clãs que, por seu caráter temporário,
sua presença ou ausência em aldeias diferentes, pela possibilidade de
divisão e subdivisão em subclãs, escapam à fixidez e à estrita delimita-
ção das categorias endógamas. Poderiamos ser levados a ver nas prefe-
rências de clã não um esboço de endogamia "verdadeira", mas simples-
mente uma técnica de ajustamento para assegurar o equillbrio matrimo-
nial no grupo, uma vez que o próprio clã se transforma continuamente
em função das exigências deste equilibrio."
A correlação existente entre as noções de endogamia e exogamia res-
salta aliás de maneira particularmente clara de um exemplo vizinho, o
dos índios Apínajé. Estes dividem-se em quatro grupos exogâmicos ou
kiyé unidos por um sistema de união preferencial, tal que um homem
A casa-se com uma mulher B, um homem B com uma mulher C, um
homem C com uma mulher D, e um homem D com uma mulher A. Es-
taríamos, portanto, em face do que caracterizamos adiante como um
sistema simples de troca generalizada I T. se a regra de filiação não con-
ferisse ao sistema um caráter estático, cujo primeiro resultado é excluir
os primos do número dos cônjuges possíveis. Com efeito, os rapazes e
as moças seguem, com relação ao kiyé, o estatuto do pai ou da mãe,
respectivamente. Todos os homens A e todas as mulheres B descendem
pois de casamentos entre homens A e mulheres B, todos os homens B
e todas as mulheres C de casamentos entre homens B e mulheres C,
e assim por diante. A divisão aparente em quatro grupos exógamos oculta
pOis uma divisão disfarçada em quatro grupos endógamos, a saber, ho-
mens A e mulheres B, parentes entre si; homens B e mulheres C, pa-
rentes entre si; homens C e mulheres D, parentes entre si; homens D e
mulheres A, parentes entre si. Em compensação, não há relação de pa-
rentesco entre a congregação masculina de parentes, de um lado, e a
congregação feminina de parentes, de outro lado, cuja reunião forma o
kiyé. h Em oposição a Lowie ''', acreditamos que este sistema não é ex-
cepcional, mas representa somente a aplicação partiCUlar de uma fórmula
geral, cujos exemplos tipicos encontram-se mais freqüentemente do que
parece." Limitamo-nos aqui a esta rápida descrição, que basta para mos-
trar, em um caso definido, que categorias exógamas e categorias endó-
gamas não constituem entidades independentes e dotadas de existência
objetiva. Devem ser consideradas mais como pontos de vista, ou perspec-
- C. Lévi-strauss. Contribution à l'étude de l'organisation saciale des Indiens Bo-
roro. Journal de la Société des Américanistes de Paris, vaI. 38. 1936. - Cf. capo XII.
- Curt Nimuendaju, The Apinayé. The Catholic University af America, Anthropo·
logical series, n. 8, Washington 1939, p. 29ss. - Nossa interpretação está de acordo
com as de J. Henry (resumo critico da obra precedente, American Anthropologist,
voI. 42, 1940) e de A. L. Kroeber, The Societies of Primitive Man, em Biological
Symposia, vaI. B, Lancaster 1942. - R. H. Lowie, American Culture History, American Anthropologist, vaI. 42, 1940,
p. 468. - F. E. Williams, Sex Affiliation and ItS Implications, Journal 01 the Royal Anthro·
pological Institute, voI. 62, 1932; e os capitulos XXVI e JXVIlI deste trabalho. [A
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