tulang, "filhas de minha geração", estas são ou "irmãs" ou "esposas".
Assim como um grupo "aliado" é simultaneamente "inimigo de alguém",
assim também uma "mulher casada" deve ser necessariamente - e para
que eu a espose - uma "irmã de alguém".
Distinguimos deste modo uma endogamia "verdadeira", que é uma
endogamia de classe (no sentido lógico, mas ao mesmo tempo, em nu-
merosas sociedades que a praticam, no sentido social do termo classe),
e uma endogamia funcional, que se pode chamar endogamia de relação.
Esta é apenas a contraposição da exogamia. Sob forma positiva exprime
o caráter aparentemente negativo desta última.
Mas, conforme acentuamos no começo deste capítulo, a endogamia
complementar aí está para lembrar que o aspecto negativo é apenas o
aspecto superficial da proibição. O grupo no interior do qual o casa-
mento é proibido evoca imediatamente a noção de um outro grupo, com
caracteres definidos (proibição do incesto acompanhada de um sistema
exogâmico J ou vagos (proibição simples, sem exogamiaJ no interior do
qual o casamento é, conforme o caso, simplesmente possível ou inevi-
tável. A proibição do uso sexual da filha ou da irmã obriga a dar em
casamento a filha ou a irmã a um outro homem e, ao mesmo tempo,
cria um direito sobre a filha ou a irmã desse outro homem. Assim, to-
das as estipulações negativas da proibição têm uma compensação positi-
va. A proibição equivale a uma obrigação, e a renúncia abre caminho
a uma reivindicação. Vê-se, pois, como é impossível, conforme freqüen·
temente se faz, considerar a exogamia e a endogamia como instituições
do mesmo tipo. Isto é verdade somente para a forma de endogamia
que chamamos funcional e que é apenas a própria exogamia conside-
rada em suas conseqüências. Mas a comparação só é possível com a
condição de excluir a endogamia "verdadeira", que é um princípio iner·
te de limitação, incapaz de se superar a si mesmo. Ao contrário, a aná·
lise da noção de exogamia basta para mostrar sua fecundidade. A proi-
bição do incesto não é somente, como o capítulo anterior tinha sugerido,
uma interdição. Ao mesmo tempo que proíbe, ordena. A proibição do
incesto, como a exogamia que é sua expressão social ampliada, consti-
tui uma regra de reciprocidade. A mulher que nos recusamos e que nos
é recusada já com isso se oferece. A quem é oferecida? Ora a um grupo
definido pelas instituições, ora a esta coletividade indeterminada e sem-
pre aberta, limitada somente pela exclusão dos próximos, como é o caso
em nossa sociedade. Mas nesta fase de nossa pesquisa acreditamos ser
possivel desprezar as diferenças entre a proibição do incesto e a exo-
gamia. Consideradas à luz das observações anteriores, seus caracteres for-
mais são, com efeito, idênticos.
Mas há mais. Quer nos encontremos no caso técnico do casamento
chamado "por troca" ou em presença de qualquer outro sistema ma-
trimonial, o fenômeno fundamental resultante da proibição do incesto
é o mesmo. A partir do momento em que proíbo a mim mesmo o uso
de uma mulher, que com isso passa a ser disponível para um outro
homem, há, em algum lugar, um homem que renuncia a uma mulher
que, por esse fato, torna-se disponível para mim. O conteúdo da proi-
bição não se esgota no fato da proibição. Esta só é instaurada para ga-
rantir e fundar J direta ou indiretamente, imediata ou mediatamente, uma
troca. Como e por que, é o que se torna preciso agora mostrar.
91