Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

tivas diferentes, mas solidárias, de um sistema de relações fundamentais,
no qual cada termo é definido por sua posição no interior do sistema.
Em certos casos, contudo, a relativa reciprocidade das relações en-
dógama e exógama aparece já no vocabulário. Assim, o termo Ifugao
para "aliados", aidu, corresponde a uma raiz que se encontra em toda
a área indonésia, com o sentido primitivo de "o outro grupo" ou ~'os
estrangeiros", e os sentidos derivados de "inimigo" ou de "parente por
casamento". Igualmente, tulang, "parentes da mesma geração" que o su-
jeito, adquire em outras linguas malaias o sentido de "indígena" (For-
mosa, Bugi), "irmão e irmã", "irmã", "mulher", por um lado, e de ou-
tro, "aliado" ou "esposa".2I É possível comparar com o japonês imo que
designa ora a irmã ora a esposa. n Será possível afirmar, com Barton e
Chamberlain, que esta ambivalência de certos termos arcaicos demons-
tra a antiga existência de casamentos consangüineos? A hipótese não
parece improvável quando se observa, como fizemos acima, que os an-
tigos textos japoneses, ao limitarem a definição do incesto à união com
a innã mais moça, parecem legitimar, como o Egito e Samoa, o casa-
mento com a mais velha. A preferência para o casamento com a prima
matrilinear entre os Batak e em outras regiões da Indonésia, os indi-
cias em favor da existência antiga do mesmo sistema no Japão u, suge-
rem uma outra interpretação, que aliás não exclui a anterior. As mu-
lheres da mesma geração que o sujeito, embora confundidas na mesma
designação, seriam distintas, conforme o ponto de vista em que nos colo-
camos, em cônjuges possiveis e cônjuges proibidos. Deve notar-se a este
respeito que no vocabulário Batak o termo tulang é aplicado por um ho-
mem ao irmão de sua mãe e à filha deste que é o cônjuge preferido;
ao passo que uma mulher dirige-se a uma estrangeira ou a um estran-
geiro saudando-os com os nomes de "irmão do pai" e "irmão da mãe",
respectivamente", isto é, com O nome da mulher do clã que se casa fora,
ou do clã dos tios, com cujos filhos uma mulher não se casa.
Se o sentido mais geral de aidu é "estrangeiro", e os sentidos de-
rivados "aliado" e "inimigo", é evidente que estes últimos sentidos repre-
sentam duas modalidades distintas, ou mais exatamente duas perspectivas
sobre a mesma realidade, a saber, entre os "outros grupos" alguns são
meus afins, outros meus inimigos, e cada um deles é ao mesmo tempo,
mas não para a mesma pessoa, um inimigo e um afim. Esta interpre-
tação relativista, evidente neste caso, pode ser também facilmente apli-
cada ao primeiro sentido sem recorrer à hipótese de um casamento ar-
caico com a irmã. Basta considerar que, partindo do sentido geral de


frase acima foi qualüicada por M. Maybury-Lewis ("Parallel descent and the Apinayé
Anomaly", Southwestern Journal of Anthropology, vaI. 16, n. 2, 1960) de "Startlingly
specific remark" porque não leva em conta, diz ele, a diferença entre "descent" e
"filiation" (p. 196). Haverá necessidade de acentuar que este livro considera exclusi-
vamente modelos e não realidades empíricas, com relação às quais unicamente esta
distinção, justamente criticada por Leach, merece que se diga ter sentido? Williams
tinha perfeitamente apreendido, há mais de trinta anos, partindo de fatos melanésios,
o principio teórico da "parallel descent" escrevendo no artigo citado acima: "The
essence of [sex affiliation] is that male children are classed with their father's group
and female children with their mother's" (loc. cit., p. 51)].


  1. R. F. Barton, Reflection in Two Kinship Terms of the Transition to Endogamy,
    American Anthropologist, voI. 43, 1941.

  2. B. H. Chamberlain, Translation Df "Ko-Ji-Ki", Kobé 1932.

  3. Cf. capo XXVII.

  4. E. M. Loeb, Patrilineal and Matrilineal Organization in Sumatra; I: The Batak:,
    American AnthTopologist, vol. 35, 1935, p. 22 e 25.


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