Claude Lévi-Strauss - As estruturas elementares do parentesco (1982, Editora Vozes) - libgen.lc

(Flamarion) #1

tarde novos dons que superam a suntuosidade dos precedentes. A mais
característica d!'ssas instituições é o potlatch dos indios do Alasca e da
regIao de Vancouver. No curso dos potlatch consideráveis valores são
assim transferidos, podendo às vezes elevar·se a várias dezenas de mi-
lhares de cobertores entregues em natureza ou soh a forma simbólica
de placas de cobre, cujo valor nominal cresce em função da importân-
cia das operações em que figuram. Estas cerimônias têm uma tríplice
função: proceder à restituição dos presentes anteriormente recebidos,
acrescidos de juros convenientes, que podem chegar a cem por cento;
estabelecer publicamente a reivindicação de um grupo familiar ou social a
um titulo ou a uma prerrogativa, e ainda anunciar oficialmente uma
mudança de situação; finalmente, superar em munificência um rival, es-
magá·lo, se possível, pela perspectiva de Obrigações de retorno que se
espera não poderá satisfazer, de maneira a arrancar do rival privilégios,
títulos, categoria, autoridade, prestígio.' Sem dúvida, o sistema dos dons
recíprocos só atinge tão vastas proporções entre os índios da costa do
noroeste do Pacífico, estes virtuosos que dão prova de um gêniO e de
um temperamento excepcionais no tratamento dos temas fundamentais da
cultura prinlitiva. Mas Mauss pôde estabelecer a existência de institui-
ções análogas na Melanésia e na Polinésia. É certo, por exemplo, que
as festas de alimentação de várias tribos da Nova Guiné têm por fun-
ção principal obter o reconhecimento de um novo pangua por uma con-
venção de testemunhas', isto é, a mesma função que, segundo Bamett,
dá base fundamental aos potlatch do Alasca. O mesmo autor vê na maior
oferta um caráter particular às cerimônias dos Kwakiutl, e trata o em-
préstimo a juros como uma operação preliminar ao potlatch e não. como
uma de suas modalidades. 6 Há sem dúvida variações locais, mas ~s di-
versos aspectos da instituição formam uma totalidade que se encontra,
de maneira mais ou menos sistematizada, na América do Norte e do
Sul, na Asia e na Arrica. Trata·se de um modelo cultural universal, mes-
mo quandO não igualmente desenvolvido em toda parte.
Mas deve insistir-se também sobre o seguinte ponto: esta atitude
do pensamento primitivo a respeito da transmissão dos bens não se
exprime somente em instituições nitidamente definidas e localizadas. Im-
pregna todas as operações, rituais ou profanas, no curso das quais são
dados ou recebidos Objetos e produtos. Por toda parte encontramos a
dupla suposição, implícita ou explícita, que os presentes -recíp,,-oQ9S cons-
tituem um modo, normal ou privilegiado conforme o grupQ>de trans-
missão dos bens, ou de certos bens, e que estes presentes não são ofe-
recidos principalmente, ou em todo o caso essencialmente, com a fina-
)idade de obter um benefício ou vantagens de natureza econômica. "Após
as festas do nascimento, escreve Tumer sobre a requintada cultura de
Samoa, depois de terem recebido e retribuído os oloa e os tonga (isto
é, os bens masculinos e os femininos), o marido e a mulher não saem
mais ricos que antes ... " T



  1. G. Davy, La Foi jurée, Paris 1922. G. P. Murdock, Rank and Potlatch among
    the Haida. Yale University Publicat~ons in Anthropology. n. 13, 1936. H. G. Barnett.
    The Nature of the potlatch. Amencan Anthropologist, voI. 40, 1938.

  2. Ver mais além capo VI.
    ,6. F. Boas, The Social Organization and the Secret Societies 01 the Kwakiutl
    lndzans, Report of the U .S. Museum for 1895, Smithsonian Institution, Washington

  3. H. G. Barnett, op. cit., p. 351s.

  4. Citado por Mauss, op. cit., p. 42.


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