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Hogbin observa que nem um nem outro dos parceiros retira dessas
trocas qualquer benefício material verdadeiro. "Com efeito, em certos
momentos os presentes trocados são da mesma natureza. Assim. pode
acontecer que uma bola de fios trançados oferecida durante o cerimo-
nial exija de volta uma bola da mesma espécie e importância, que será
oferecida exatamente com o mesmo cerimoniaL Igualmente, quando um
embrulho de alimentos dado de presente é substituido por um presente
devolvido, este é composto do mesmo embrulho do mesmo alimento, pre-
parado segundo igual receita".^8 Na costa sul da Nova Guiné os indígenas
empreendem longas viagens para executarem uma operação que, do pon-
to de vista econônimo, parece totalmente destituída de significação_ Tro-
cam animais vivos. U Igualmente, nas trocas que acompanham o casamen-
to Yukaghir os pais que receberam uma rena retribuem com outra. 10
É que, com efeito, a troca não produz um resultado tangível, como no
caso das transações comerciais de nossa sociedade. O lucro esperado
não é nem direto nem inerente às coisas trocadas, como são o lucro de
dinheiro ou o valor de consumo. Ou melhor, não é tal de acordo com
nossas próprias convenções. Porque, para o pensamento primitivo, há
na verdade outra coisa no que chamamos um "bem", diferente daquilo
que o torna cômodo para seu detentor ou para seu negociante_ Os bens
não são somente comodidades econômicas, mas veículos e instrumentos
de realidades de outra ordem, potência, poder, símpatia, posição, emo-
ção, O jogo sábio das trocas (onde freqüentemente não há transferên-
cia real, assim como os jogadores de xadrez não dão um ao outro as
peças que avançam alternativamente no tabuleiro, mas procuram somente
provocar uma resposta) consiste em um conjunto complexo de manobras,
conscientes ou inconscientes, para adquirir garantias e prevenir-se contra
riscos no duplo terreno das alianças e das rivalidades,
Os infortúnios de Amundsen mostram o que custa perder o sentido
da reciprocidade: "Dos generosos presentes que lhes fazia em, resposta
a suas doações, os esquimós rapidamente concluiram que tinham vanta-
gem em oferecer todas as suas mercadorias em forma de presente. Foi
preciso recusar rapidamente todo presente e recorrer ao comércio pro-
priamente dito"," Igualmente, Holm verifica que uma troca com um in-
digena abre uma pretensão geral, da parte de todos os outros, ao mesmo
presente. /tOs indígenas explicaram que davam sempre às pessoas tudo
o que pediam", Mas é preciso definir o verdadeiro sentido de"ta decla-
ração_ "Quando alguém quer começar um patukhuk, leva um objeto qual-
quer ao kaspin (casa dos homens) e o dá àquele com o qual deseja
travar relações de troca, dizendo: "É um patukhuk"_ O outro fica obri-
gado a aceitar o presente e a oferecer de volta um objeto de mesmo
valor_ O primeiro traz então outra coisa, e estas operações continuam
às vezes até que os dois homens tenham trocado todos os seus bens,
porque aquele que recebeu em primeiro lugar é obrigado a responder,
até que o iniciador queira parar" _" Esta paixão do dom, acompanhada da
- H. lan Hogbin, Polynesian Ceremonial Gift Exchanges, Oceanta, vol. 3, n. 1,
1932, p, 13, - F. E. Williams, Papuans of the Trans-Fly. Oxford 1936, p. 137. W. E. Armstrong,
Svau-Tawala, Papua. Anthropology Report, n. 1. - W. Jochelson, The YUkhagir ... , p. 96.
- F. Boas, The Eskimo ... , op. cit., p. 374.
- E. W_ t:'lelson, The Eskimo about Bering Strait. 18th Annual Report, Bureau
of American Ethnology, Smithsonian Institution, Washington, p. 309.
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