Decidi que meu motorista iria ficar em casa com a família. Ele tinha
setenta anos e seria um contrassenso que eu, que pedia para as pessoas de
idade se recolherem em suas residências, andasse para cima e para baixo
conduzido por um septuagenário. A partir de então, quando havia uma
reunião com o presidente Bolsonaro, eu fazia o trecho do Ministério da Saúde
até o Palácio do Planalto a pé. Sempre gostei de andar, e aquele passou a ser
um tempo para pensar um pouco. Normalmente íamos eu e Wanderson. Mas
a imprensa descobriu nosso novo hábito e passou a nos filmar. A caminhada
saiu na TV, e pôs fim à hora que eu tinha para refletir e respirar um pouco.
E se, apesar de todo o protocolo de prevenção, ainda assim eu e meus
auxiliares nos contaminássemos? Essa questão começou a me preocupar com
muita força. Meu trabalho consistia em muitas reuniões em salas fechadas, ao
lado de gente que circulava muito. Em tese, eu teria que ir para o isolamento,
dada a quantidade de gente com quem tinha me encontrado. Então tivemos
uma longa discussão sobre o que fazer em caso de suspeita e confirmação.
Firmamos um pacto: a quarentena seria feita dentro do prédio do Ministério
da Saúde. Solicitei que o local que era usado como creche para os
funcionários fosse adaptado para um espaço de quarentena. Chamei o pessoal
da mobília interna do ministério e começamos a fazer as alterações. A creche
tinha muitas divisórias, que foram retiradas para criar um posto de
enfermagem para a coleta de exames e seis quartos com cama, frigobar e
banheiro. Se alguém fosse contaminado, ficaria confinado em um desses
quartos e não exporia a família. E, se não apresentasse sintomas mais graves,
continuaria trabalhando. Era um ambiente seguro, localizado numa área
afastada do restante do prédio. Em caso de complicações, uma ambulância
levaria a pessoa imediatamente para o hospital.
Felizmente, a área não precisou ser usada nem por mim nem por ninguém
da minha equipe.
antfer
(Antfer)
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