Luiz Henrique Mandeta - Um Paciente Chamado Brasil

(Antfer) #1

fazer leitura labial com o rosto semicoberto, que o recado não era dado só
com as mãos. Insisti, dizendo que então seria melhor fazer sem ela, que se
usasse um letreiro, legendas, o que fosse. Bolsonaro argumentou que a
intérprete de libras era uma exigência da primeira-dama, Michelle. No final,
fizemos com ela de máscara, só usando as mãos para os sinais de libras. Deve
ter ficado mais difícil para os portadores de deficiência auditiva entenderem,
mas não havia outra forma de fazermos aquilo naquele momento.
Fiquei ali sentado ao lado dele para a gravação, o que me incomodou
muito, porque eu achava que aquela era uma ótima oportunidade para passar
a mensagem de que era importante não haver aglomeração. Mas a única coisa
que ele falou foi: “Pessoal aí da movimentação de domingo, é melhor a gente
não fazer por causa do coronavírus”. Foi a única coisa, bem curta. Então
passou a falar de outros assuntos, e eu ali, do lado dele. Desnecessária a
minha presença, eu só tinha ido porque achei que iria falar da necessidade de
confinamento. Eu havia dito ao presidente que o assunto era grave, que os
casos iriam aumentar e haveria muitas mortes. Mas ele passou
perifericamente pelo assunto.
Nos dias seguintes, os casos foram aumentando. Muitos governadores já
tinham inclusive começado a orientar as pessoas a não saírem de casa. No
domingo, 15 de março, Bolsonaro saiu do isolamento. Recebi um telefonema
do major Cid, chefe de gabinete dele, dizendo que o presidente havia
decidido cumprimentar os manifestantes na frente do Palácio e que seria bom
que eu fosse com ele. Respondi: “Se ele decidiu, ele que arque com as
consequências. Você quer que eu faça o quê? Eu sou o ministro da Saúde,
não tenho o que fazer ali”.
Sabendo que não contaria com a minha presença, o chefe de Gabinete
chamou o presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres, indicado
para o cargo no final de 2019. Torres foi para o ato, o presidente

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