Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 159 (2020-10)

(Antfer) #1

OUTUBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 19


político e econômico preciso. Os ma-
nifestantes, em geral, reúnem-se em
torno de algumas demandas simples



  • como a libertação de presos políti-
    cos e a organização de novas eleições.
    Mas a principal delas é a saída de Lu-
    kashenko. O nome da oponente exila-
    da, Svetlana Tikhanovskaya, é raro
    nas placas. Da Lituânia, esta última
    criou, em meados de agosto, um con-
    selho de coordenação com o objetivo
    de dialogar com Minsk com vista à
    transferência de poder para organizar
    novas eleições, mas não desempenha
    um papel importante na organização
    dos protestos. Entre os sete membros
    de seu exílio, que reúne um líder des-
    tacado e o copresidente de um peque-
    no partido tradicional cristão a favor
    do abandono do russo como língua
    oficial, apenas Svetlana Aleksievitch,
    ganhadora do Prêmio Nobel de Lite-
    ratura, não havia se preocupado com
    as autoridades em meados de setem-
    bro. Os outros fugiram do país ou es-
    tão atrás das grades.
    Nos cortejos, apenas a bandeira
    branca, vermelha e branca – a da pri-
    meira República Popular da Bielor-
    rússia em 1918, assumida quando o
    país se tornou independente em 1991

  • é hasteada como símbolo unânime
    da rejeição do líder. Qualquer outra
    faixa ou mensagem é vista com sus-
    peita, porque pode provocar cisões:
    as poucas bandeiras europeias fo-
    ram rapidamente reembaladas e ne-
    nhum slogan hostil à Rússia sai das
    fileiras dos manifestantes. Para de-
    sacreditar o movimento e instar
    Moscou a ajudá-lo, Lukashenko re-
    pete continuamente que a bandeira
    vermelha e branca serviu de padrão
    para os nacionalistas bielorrussos
    que colaboraram com os nazistas a
    partir de 1941. Em realidade, eram
    apenas um punhado e não deixaram
    tradição política. Um contraste im-
    portante em relação a outros confins
    do antigo Império Czarista – como os
    países bálticos, Ucrânia, Polônia –,
    onde desde o início do século XIX os
    movimentos nacionalistas foram ba-
    seados em partidos políticos, esco-
    las, universidades e centros cultu-
    rais, e alimentaram a luta armada
    antirrussa e depois antissoviética, às
    vezes em colaboração com os nazis-
    tas.^5 Não é assim na Bielorrússia,
    mais conhecida por seu movimento
    de guerrilheiros soviéticos situados
    atrás da frente alemã do Leste.^6 Nes-
    se contexto, o vermelho e o branco
    significam menos um renascimento
    nacionalista do que a rejeição ao pre-
    sidente que restaurou, por referendo,
    os tons de vermelho e verde da ban-
    deira soviética, em 1996.
    Quando, por volta de 11 de agosto,
    eclodiram greves nas joias da indús-
    tria bielorrussa – MAZ, fábrica de au-
    tomóveis; Belaz, uma empresa de en-


cebook. Ela sublinha que “esse des-
vio do modelo dominante, que per-
mitiu ao regime se proteger durante
muitos anos contra qualquer empre-
sa contestatária iniciada ou financia-
da pelo setor privado, parece ter-lhe
pregado uma peça”. Ludmila V., que
trabalha para uma empresa de cria-
ção de aplicativos em Minsk, atesta
esse compromisso desde o início do
movimento, inclusive até a direção:
“Desde as manifestações, os funcio-
nários têm o direito de se ausentar ou
trabalhar remotamente depois de
uma reunião; além disso, nossa em-
presa se comprometeu extraoficial-
mente a pagar multas a seus funcio-
nários se eles forem pegos em
protestos não declarados”.
Ao contrário, a laboriosa mobili-
zação de apoiadores do governo exis-
te em grande parte apenas por meio
da aplicação de recursos do Estado
(ônibus para trazer pessoas, helicóp-
teros para hastear a bandeira). Nun-
ca tendo reivindicado uma ideologia
clara, o regime – hiperpresidencialis-
ta – pode contar pouco com uma base
militante para defendê-lo. Lukashen-
ko ainda desfruta da lealdade do
Exército e da polícia, e assim mantém
as rédeas do poder; no entanto, en-
frenta uma grande crise de legitimi-
dade. O convite para uma reforma
constitucional que fortaleça as prer-
rogativas do governo e do Parlamen-
to em detrimento das da presidência,
habilmente proposto por Lukashen-
ko como um pré-requisito para a rea-
lização de novas eleições em 2022, di-
vide a oposição e permite ganhar
tempo. Manobra para se manter no
poder ou porta de saída anunciando
uma profunda reconfiguração políti-
ca? A saída para a crise está em gran-
de parte em Moscou e na capacidade
dos protestos de superar a repressão,
a usura e as divisões.

*Loïc Ramirez é jornalista.

1 Ler Laurent Geslin e Sébastien Gobert, “Veil-
lée d’armes au Donbass” [Vigília de armas no
Donbass], Le Monde Diplomatique, dez.
2014.
2 Cf. Stephen White e Elena Korosteleva, Post-
communist Belarus [Bielorrússia pós-comu-
nista], Rowman & Littlefield Publishers, La-
nham, 2005.
3 “Um presidente de papel” (em russo), Novaïa
Gazeta, Moscou, 13 ago. 2020, com base nos
resultados fornecidos pela plataforma on-line
Zubr.
4 Ronan Hervouet, Le goût des tyrans. Une eth-
nographie politique du quotidien en Biélorus-
sie [O gosto dos tiranos. Uma etnografia polí-
tica da vida cotidiana na Bielorrússia], Le
Bord de l’eau, Lormont, 2020.
5 Cf. Martin Dean, Collaboration in the Holo-
caust: Crimes of the Local Police in Bielorus-
sia and Ukraine [Colaboração no Holocausto:
crimes da polícia local na Bielorrússia e na
Ucrânia], St Martin’s Press, Nova York, 2000.
6 Cf. Masha Cerovic, Les enfants de Staline [Os
filhos de Stalin], Seuil, Paris, 2018.
7 Tyt.by (site de informação), Minsk, 6 jul. 2018.
8 Belrynok.by, Minsk, 29 jul. 2020.
9 Fonte Belstat, 2020.

genharia e produção de equipamentos
industriais; MZKT, fabricante de ca-
minhões pesados de propriedade do
Estado –, Lukashenko sentiu seu po-
der vacilar. O desafio, no entanto, é
controlar o protesto no local de traba-
lho. Na manhã de 17 de agosto, a ten-
tativa de esvaziar da fábrica Atlant,
em Minsk, foi infrutífera. “Quem tra-
balha aqui?”, pergunta uma senhora
idosa que veio se juntar às cerca de
trinta pessoas reunidas na entrada do
prédio principal para apoiar a mobi-
lização. Apenas uma levanta a mão.
Os demais são estudantes, aposenta-
dos e outras pessoas que vieram em
solidariedade. “Provavelmente sou o
único”, explica o trabalhador, “os ou-
tros colegas estão com medo e nin-
guém está nos ajudando.”

FIDELIDADE DO EXÉRCITO
E DA POLÍCIA
Desde o Decreto Presidencial n. 29,
ratificado em 1999, a maioria das
contratações é feita por contratos de
prazo determinado, de um a cinco
anos, uma reforma liberal que fragi-
lizou os poucos sindicatos em luta no
país. Em 2018, um estudo da Federa-
ção dos Sindicatos da Bielorrússia
sobre 1,6 milhão de contratos desco-

briu que 30% dos funcionários do
país trabalhavam com contrato de
prazo fixo de um ano.^7 Ao medo da
demissão, soma-se a prisão de al-
guns dirigentes em greve e, por fim,
o temor, entre os trabalhadores do
Estado, de privatizações maciças que
implicariam o desaparecimento de
empregos ou fábricas, como faz
questão de relembrar Lukashenko
caso a oposição tome o poder. Du-
rante a campanha, seus concorren-
tes, o ex-banqueiro Viktor Babariko e
o ex-embaixador e diretor de um par-
que tecnológico Valery Tsepkalo, não
fizeram segredo de suas intenções de
“modernizar” o país.^8 O setor públi-
co – o funcionalismo mais as empre-
sas estatais majoritárias – reúne cer-
ca de 40% dos empregados do país.
As empresas em que a participação
do Estado ultrapassa 50% represen-
tam cerca de 30% da produção anual
e do emprego.^9
No entanto, um setor parece estar
na vanguarda da disputa: o de altas
tecnologias. Surgiu nos anos 2000 e
“recebia vantagens fiscais significati-
vas, algo em contradição com o mo-
delo dominante de socialismo de
mercado”, lembra a pesquisadora
Ioulia Shoukan em sua página no Fa-

© Wikimedia

Os manifestantes pedem a saída de Lukashenko e a libertação de presos políticos

.
Free download pdf