Visão - Portugal - Edição 1441 (2020-10-15)

(Antfer) #1

14 VISÃO 15 OUTUBRO 2020


Britânica e, mais recentemente, a
English Defence League, chegaram e
disseram: “A razão pela qual os vossos
empregos são tão instáveis e a vida
tem-se tornado mais complicada é
porque há pessoas de raça negra que
querem roubar-vos o emprego.” Isto
é mentira, mas foi a justificação que
encontraram. Se o centro-liberal não
começar a reconhecer que falhou na
altura em que estava no poder, nunca
irá conseguir combater a extrema-
direita e os Boris Johnson deste
mundo.
Há cada vez mais movimentos e
novos partidos a surgirem. O que
pode isso significar para a própria
democracia?
A nossa democracia não está a trans-
mitir corretamente a perceção da
população e isso reflete-se na maneira
como estamos a ser governados. Existe
uma falta de ligação entre o modo
como as pessoas entendem a política
e a sentem. Julgo que, atualmente,
este é um pensamento partilhado por
muitos em todo o mundo e que é por
isso que as pessoas devem direcionar
a sua atenção para diferentes tipos de
organização política. É o caso dos no-
vos sindicatos, movimentos estudan-
tis, movimentos climáticos, ocupação
de espaços para protestar a favor da
igualdade...
Esses novos sindicatos e movimen-
tos, que surgem depois de “sussur-
ros” entre funcionários de grandes
empresas, como a McDonald’s, como
escreve no livro, serão também uma
nova forma de fazer política? As
pessoas já não se sentem protegidas
pelos sindicatos tradicionais?
Boa pergunta, até porque vai ao en-
contro de uma das coisas que mais es-
tão a afetar a política no Reino Unido.
O que aconteceu foi que muitos dos
sindicatos tradicionais tornaram-se
mais pequenos e, consequentemente,
mais fracos e pobres, perderam a sua
missão política. Passaram a ser sindi-
catos de serviço: pagas uma subscrição
mensal e tens acesso a uma revista e a
um desconto num determinado café. E
assim afastaram-se da ideia de serem
um movimento político genuíno
no meio da classe trabalhadora. As
organizações de sindicatos indepen-
dentes revolucionárias aproveitam-se
do facto de muitos trabalhadores não
terem nada a perder: “Tu trabalhas no
McDonald’s, onde recebes o salário
mínimo e onde tens fracas condições
de trabalho, organizas uma manifes-


As pessoas,
incluindo os
jovens, são
antipolíticos, mas
isso não significa
que sejam
antipolítica.
Apenas estão
cansadas
das velhas
instituições

tação no teu local de trabalho e podes
perder o teu emprego, mas há outros
locais de trabalho, como o Burger
King ou a Wetherspoon [cadeia inglesa
de pubs]. Todos estes empregos são
idênticos e todos eles são inseguros,
na medida em que as pessoas podem
“saltar” de um para o outro. Não há
grande coisa a perder, em arriscar,
porque a maioria dos mais jovens não
tem capacidade para comprar casa
própria, não tem crédito, nem tem
aquele receio de perder o emprego e
não poder pagar a casa no mês seguin-
te. Esta insegurança pode tornar-se
um catalisador, vai ser cada vez mais
notória.
O que pensa sobre a cobertura
jornalística da extrema-direita? De-
vemos falar do que se está a passar e
não ignorar o assunto?
Penso muito sobre essa questão. Acho
que é importante compreender e
questionar as experiências e as moti-
vações políticas desses que estão a dar
apoio à extrema-direita. Com muito
cuidado e responsabilidade. Mas isso é
diferente de oferecer uma plataforma
e tempo de antena aos líderes destes
movimentos políticos de extrema-
-direita, que tendem a usá-la para
espalhar mensagens de ódio, violência
e, de certo modo, angariar apoiantes.
No Reino Unido, temos o Tommy
Robinson, líder do English Defence
League, que é um criminoso condena-
do, cometeu fraudes, é fascista e, ainda
assim, a BBC e a Sky News têm-lhe

dado oportunidades para formular
as suas crenças políticas. No caso
dele, não considero que deva usufruir
dessas plataformas. Digo isto porque
Tommy Robinson é um supremacis-
ta branco. No fundo, temos de nos
questionar: “Será que a supremacia
branca é uma ideologia que vale a pena
debater?” Olhando para a História eu-
ropeia, já tentámos fazer isso e vimos
o que aconteceu quando demos tempo
de antena a estes líderes fascistas.
Acredito que a resposta a essa questão
é dizer “não” aos líderes e “sim” aos
seus apoiantes.
Concorda com o conceito de “inte-
resse racial próprio” defendido pelo
jornalista David Goodhart e que é
mencionado no seu livro?
Este é um dos argumentos de David
Goodhart: existe um peso legítimo de
interesse pessoal que deve ter lugar
na nossa política sem ser admitido
como racismo e que isso é diferente de
preconceito racial. Eu discordo forte-
mente de Goodhart, neste aspeto. Não
porque não considero que não deve-
mos dar ouvidos e tentar compreen-
der o contexto e as preocupações de
uma comunidade predominantemente
branca, como acontece, por exemplo,
com a comunidade de Tilbury. Acho
que o erro é afirmar o avanço legítimo
do “interesse racial próprio” branco
e que, de certa forma, não envolve
um ato de racismo. A razão é porque,
simplesmente, o racismo não se trata
apenas de preconceito pessoal. O ra-
cismo é uma realidade estrutural.
E, por fim, a pergunta que pode valer
um milhão de dólares: como, no seu
entender, a política vai evoluir?
Há uma citação célebre de Karl Marx
que diz que não se deve fornecer livros
de receitas aos cozinheiros do futuro,
porque qualquer político (ou qualquer
visão política) que tenha uma noção
muito fixa e rígida de como as coisas
devem ser nunca vai ser bem-sucedi-
do em captar a atenção das pessoas.
Observamos os próprios políticos
como se fôssemos espectadores de um
desporto e vemo-los a jogar por nós.
Para nós, a única regra é sentar-nos e,
muito passivamente, ficar a observar.
Isto não tem de ser necessariamente
assim. Em primeiro lugar, devemos
ouvir aqueles que estão no terreno a
modificar a forma de fazer política. E,
depois, em segundo lugar, você, leitor,
pode ser uma dessas pessoas: você é
um agente político e não um observa-
dor passivo. [email protected]
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