14 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020
em hidrocarbonetos (quase 30% para
o Quirguistão e o Tadjiquistão); Jor-
dânia, Iêmen, Líbano e territórios pa-
lestinos no Oriente Médio; Nepal
(27%), seguido por Paquistão e Sri
Lanka (quase 8% cada), na Ásia meri-
dional; Filipinas, na Ásia oriental; e
vários países da América Central, in-
cluindo El Salvador e Honduras (mais
de 20%), além do Haiti (37%).^17
O Banco Mundial prevê que em
2020 as remessas para países em de-
senvolvimento cairão 20%, ou mais
de US$ 110 bilhões, já que os imigran-
tes são os mais afetados por demis-
sões e cortes de salários. Além disso, a
Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento (Unc-
tad) estima que o IED para países afri-
canos cairá entre 25% e 40% em 2020,
após já ter sofrido uma queda de 10%
em 2019.^18 Para os países em desenvol-
vimento da Ásia, particularmente
sensíveis à perturbação das cadeias
de abastecimento globais, o declínio
do IED deve atingir de 30% a 45%, e
até 50% para a América Latina.
A tudo isso se soma o crescente
problema da dívida. Seu pagamento
pelos países em desenvolvimento
atingiu o nível mais alto desde a vira-
da do século.^19 Em média, ele deveria
representar, em 2020, 14,3% das re-
ceitas dos Estados envolvidos, contra
6,7% em 2010. Mas muitos enfrentam
situações dramáticas, como o Gabão,
cujos pagamentos absorvem 59,5%
do total das receitas públicas, Gana
(50,2%), Angola (46%) e Paquistão
(35%). São 52 os países que dedicam
mais de 15% de suas receitas aos pa-
gamentos de dívida, contra 31 em
2018, 27 em 2017, 22 em 2015...
Diante dessa situação de emer-
gência, os tomadores de decisões fi-
nanceiras internacionais multipli-
cam as declarações de boas intenções,
afirmando a necessidade de reduzir a
dívida dos países do Terceiro Mundo
diante da pandemia. Entre eles, o
presidente do Banco Mundial, David
12 Stephanie Findlay, “Suicides rise after virus
puts squeeze on India’s middle class” [Suicí-
dios aumentam com arrocho do vírus sobre a
classe média indiana], Financial Times, Lon-
dres, 6 out. 2020.
13 Kristalina Georgieva, “La longue ascension:
surmonter la crise et bâtir une économie plus
résiliente” [Uma ascensão longeva: superar a
crise e construir uma economia mais resilien-
te], FMI, 6 out. 2020.
14 “Perspectives économiques en Afrique 2020”
[Perspectivas econômicas na África 2020],
BAD, Abidjan, 30 jan. 2020.
15 “Covid-19 crisis through a migration lens” [A
crise da Covid-19 pela lente da migração], Mi-
gration and Development Brief, n.32, Banco
Mundial e Parceria de Conhecimento Global
sobre Migração e Desenvolvimento (Kno-
mad), Washington, DC, abr. 2020.
16 “ODA 2019 preliminary data” [Dados prelimi-
nares AOD 2019], Organização para a Coo-
peração e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Disponível em: http://www.oecd.org.
17 “Covid-19 crisis through a migration lens”, op.
cit.
18 “World Investment Report 2020: International
production beyond the pandemic” [Relatório
de investimento mundial 2020: produção in-
ternacional para além da pandemia], Unctad,
Genebra, 2020.
19 “Debt Data Portal” [Portal de dados da dívi-
da], Jubilee Debt Campaign. Disponível em:
data.jubileedebt.org.uk. Ler também “Faut-il
payer la dette? ” [É preciso pagar a dívida?],
Manière de Voir, n.173, out.-nov. 2020.
20 Larry Elliott, “World Bank: Covid-19 pushes
poorer nations ‘from recession to depression’”
[Banco Mundial: Covid-19 empurra as nações
mais pobres “da recessão para a depressão”],
The Guardian, Londres, 19 ago. 2020; e Jona-
than Wheatley, “Borrow to fight economic im-
pact of pandemic, says World Bank’s chief
economist” [Emprestar para combater o im-
pacto da pandemia, diz economista chefe do
Banco Mundial], Financial Times, 8 out. 2020.
21 O Clube de Paris é um grupo de credores pú-
blicos que inclui a maioria dos membros da
OCDE, além do Brasil e da Rússia.
22 Éric Toussaint e Milan Rivié, “Les pays en dé-
veloppement pris dans l’étau de la dette” [Paí-
ses em desenvolvimento no torniquete da dívi-
da], CADTM, Liège, 6 out. 2020.
23 Jonathan Wheatley, David Pilling e Andres
Schipani, “Emerging economies plead for
more ambitious debt relief programmes”
[Economias emergentes pedem programas
mais ambiciosos de alívio da dívida], Finan-
cial Times, 12 out. 2020.
24 Ken Ofori-Atta, “Ghanaian finance minister:
Africa deserves more Covid help” [Ministro das
Finanças de Gana: a África merece mais ajuda
contra a Covid], Financial Times, 12 out. 2020.
25 Walden Bello, “The Bretton Woods twins in
the era of Covid-19: Time for an exit strategy
for the global south” [Os gêmeos de Bretton
Woods na era da Covid-19: é hora de uma es-
tratégia de saída para o Sul global?], Focus
on the Global South, Bangcoc, 10 out. 2020.
Malpass, e sua economista-chefe,
Carmen Reinhart, que defende o can-
celamento das dívidas contraídas pa-
ra permitir que os países em desen-
volvimento possam contratar
outras.^20 Mas a realidade é menos lu-
minosa, como explica o Comitê pela
Abolição das Dívidas Ilegítimas
(CADTM): “Após a pandemia, os paí-
ses do G20 concederam moratória aos
pagamentos da parte bilateral da dí-
vida para o período de maio a dezem-
bro de 2020. [...] Embora 73 países te-
nham sido selecionados, apenas 42
chegaram a um acordo com o Clube
d e P a r i s”.^21 Por que tão poucos? Uma
das explicações seria a “chantagem
dos credores privados e das agências
de classificação”, as quais “indicaram
que os países demandantes de mora-
tória corriam o risco de ter sua nota
rebaixada pelas agências de classifi-
cação e ficar sem acesso aos merca-
dos financeiros privados”. Em suma,
“esses países vão pagar quantias
maiores, com menos recursos”.^22
Encurralados pela crise, os países
do Terceiro Mundo pedem mais alívio
da dívida.^23 A revolta ronda. Em um
artigo publicado pelo Financial Ti-
mes, o ministro das Finanças de Ga-
na, Ken Ofori-Atta, pediu que os Esta-
dos africanos “assumam a liderança,
estabelecendo um secretariado para
coordenar os vários grupos de inte-
resse e centros de poder, com o objeti-
vo de propor uma reestruturação da
arquitetura financeira global”, de
modo a adaptá-la “às necessidades da
África e de outros países em desen-
volvimento, em um momento no qual
é preciso gerir a recuperação pós-Co-
vid-19”.^24 Outros, como o professor
universitário de esquerda filipino
Walden Bello, defendem que os países
do Terceiro Mundo se retirem coleti-
vamente das duas instituições funda-
mentais da arquitetura financeira
global, o FMI e o Banco Mundial.^25
No fim das contas, o “grande con-
finamento”, ao consolidar a posição
subalterna do Terceiro Mundo no sis-
tema político-econômico do mercado
mundial, terá afastado ainda mais a
esperança de que ele possa sair dessa
situação sem romper com a lógica
neoliberal, que revela sua cada vez
mais f lagrante inadequação às neces-
sidades de uma humanidade que se
encontra diante da iminência da ca-
tástrofe.
*Gilbert Achcar é professor de Estudos
de Desenvolvimento na Escola de Estudos
Orientais e Africanos (Soas) da Universida-
de de Londres.
1 Sarah Kliff, “How much would Trump’s corona-
virus treatment cost most Americans?”
[Quanto custaria o tratamento do coronavírus
de Trump para o restante dos cidadãos dos
Estados Unidos?], The New York Times, 7
out. 2020.
2 “The Great Lockdown” [O grande confina-
mento], World Economic Outlook, FMI,
Washington, DC, abr. 2020.
3 “ILO Monitor: Covid-19 and the world of work.
Sixth edition” [Monitor da OIT: Covid-19 e o
mundo do trabalho. Sexta edição], OIT, Gene-
bra, 23 set. 2020.
4 “Reversals of fortune – Poverty and shared
prosperity 2020” [A sorte mudou – Pobreza e
prosperidade compartilhada 2020], Banco
Mundial, Washington, DC, 2020.
5 “From containment to recovery: Economic up-
date for East Asia and the Pacific” [Do confi-
namento à recuperação: atualização econômi-
ca para a Ásia oriental e o Pacífico], Banco
Mundial, out. 2020.
6 “Global Humanitarian Response Plan: Co-
vid-19 (April-December 2020)” [Plano de res-
posta humanitária global: Covid-19 (abril-de-
zembro 2020)], Ocha, Genebra, jul. 2020.
7 “Rapport du secrétaire général sur l’activité de
l’Organisation – 2020” [Relatório do secretá-
rio-geral sobre a atividade da Organização –
2020], ONU, Nova York, 2020.
8 “Protect the progress: rise, refocus, recover”
[Proteger os avanços: melhorar, reorientar,
recuperar], OMS e Unicef, Genebra, 2020.
9 “Fiscal Monitor: Policies for the recovery”
[Monitor fiscal: políticas para a recuperação],
FMI, out. 2020.
10 Daniel Gurara, Stefania Fabrizio e Johannes
Wiegand, “Covid-19: Without help, low-inco-
me developing countries risk a lost decade”
[Covid-19: sem ajuda, países em desenvolvi-
mento de baixa renda correm o risco de per-
der uma década], IMFBlog, 27 ago. 2020.
11 Jeffrey Gettleman, “Coronavirus crisis shat-
ters India’s big dreams” [Crise do coronavírus
destrói os grandes sonhos da Índia], The New
York Times, 5 set. 2020.
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