Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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26 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020


MERCADO DE TOLOS


Em reunião virtual entre ministros e empresários, em 15 de setembro de 2020, o Banco
Africano de Desenvolvimento decidiu promover as parcerias público-privadas (PPPs)
para relançar as economias castigadas pela crise sanitária. A experiência mostra,
no entanto, que, destinadas a atrair capital privado, as PPPs na verdade
sobrecarregam o orçamento público

POR JEAN-CHRISTOPHE SERVANT*

PPPs, as “privatizações


disfarçadas” na África


C


ada vez mais criticadas no Oci-
dente, as parcerias público-pri-
vadas (PPPs) estão se multipli-
cando na África. Em 2018, o
Banco Mundial identificou 460 em
todo o continente. África do Sul, Ni-
géria e Quênia foram os pioneiros
desses contratos, que agora se esten-
dem em direção ao oeste africano:
Gana, Costa do Marfim e Senegal.
Elogiadas por sua suposta eficiên-
cia, na prática aumentam o déficit
público enquanto conferem vanta-
gens exorbitantes às empresas priva-
das. Com a recessão causada pela
pandemia de Covid-19, sua nocivida-
de pode vir à tona. “O vírus afetará
muito as PPPs, seus usuários, o setor
privado e o setor público por sema-
nas, meses ou anos”,^1 alerta David
Baxter, da Associação Internacional
de Profissionais de PPP (Wappp).
“Essas parcerias são firmadas en-
tre uma empresa privada e um órgão
público”, descreve o economista Ro-
main Gelin, membro do Grupo de
Pesquisa por uma Estratégia Econô-
mica Alternativa (Gresea). “Consis-
tem em distribuir recursos, riscos,
responsabilidades e benefícios entre

esses dois atores e, em tese, reduzir a
restrição orçamentária do Estado”,
completa. Muitas vezes, assumem a
forma de contratos de construção,
manutenção e operação de equipa-
mentos públicos (estradas, hospitais,
aeroportos, centrais elétricas, ferro-
vias etc.) com duração de vinte a
trinta anos. O usuário público paga o
aluguel no ato do recebimento da
obra e durante a concessão, ao fim da
qual ele recupera a propriedade do
bem em questão.
As instituições financeiras inter-
nacionais (IFIs) – principais finan-
ciadoras – e as organizações regio-
nais tornaram as PPPs o motor do
crescimento africano, em particular
para atingir rapidamente os “objeti-
vos de desenvolvimento sustentável”
definidos pelas Nações Unidas. “Nos
últimos quinze anos, os fundos de
desenvolvimento têm sido usados
para incentivar o setor privado a in-
vestir em países mais pobres. Em vez
de ajudá-los diretamente a criar ser-
viços públicos ou a arrecadar impos-
tos de empresas multinacionais que
já trabalham lá, a ideia tem sido usar
recursos públicos para tornar o am-

biente ‘mais propício’ aos investi-
mentos de capital privado. As parce-
rias público-privadas cresceram
rapidamente, realizando o que fa-
zem de melhor: transformar as ne-
cessidades públicas em fontes de
renda de longo prazo para seus fi-
nanciadores”,^2 explica Nick Dearden,
chefe da rede Global Justice Now. As-
sim, o Banco Mundial e seu braço ar-
mado para o desenvolvimento do se-
tor privado nos países do Sul, a
Corporação Financeira Internacio-
nal (IFC), estão fazendo campanha
por PPPs junto aos governos africa-
nos e investidores privados, com o
apoio de algumas agências da ONU e
da União Europeia.
Os resultados desses contratos no
Velho Continente, onde foram inven-
tados no início da década de 1990, re-
clamam, entretanto, um exame cau-
teloso. Em 2018, um relatório especial
do Tribunal de Contas da União Eu-
ropeia realizado sobre doze PPPs ofe-
receu uma análise severa: “A maioria
dos projetos auditados sofreu atrasos
de construção consideráveis e estou-
rou significativamente os custos
previstos”.^3

CONTRATOS
NEGOCIADOS ÀS PRESSAS
Apesar dessas advertências, as PPPs
prosperam na África com base na vi-
são neoliberal de que Estados são ne-
cessariamente burocráticos e pos-
suem gestões ineficientes, devendo
confiar grandes projetos ao setor pri-
vado e fornecer financiamento ga-
rantido de longo prazo para que isso
se concretize. “Enfeitadas como ‘aju-
da ao desenvolvimento’, ‘adaptação
às mudanças climáticas’ ou ainda ‘in-
centivo à quarta revolução industrial’,
as PPPs justificam uma nova onda de
privatizações”, analisa o socialista
sul-africano Trevor Ngwane, cofun-
dador, durante a década de 2000, do
Fórum Antiprivatização, uma coliga-
ção de associações que se opunham
ao desmantelamento do setor público
de água e eletricidade sob a presidên-
cia de Thabo Mbeki. Segundo ele,
apesar da retórica, essas políticas ig-
noram a satisfação das necessidades
das populações. Em 2017, Jim Yong
Kim, então presidente do Banco Mun-
dial, vendeu o peixe da seguinte for-
ma: “Uma das coisas que gostaríamos
de fazer, por exemplo, é encontrar um
caminho para que um fundo de pen-
são no Reino Unido invista na cons-
trução de estradas em Dar-es-Salam,
para obter um retorno razoável sobre
esse investimento e contribuir muito
para o processo local”.^4
Apresentadas como parcerias en-
tre atores iguais, as PPPs são, na ver-
dade, o resultado de brutais lutas de
poder muito desfavoráveis aos Esta-
dos africanos, que se sentam à mesa
de negociações enfraquecidos pela
dívida e incapazes de produzir uma
experiência que se contraponha ao
discurso dos grandes escritórios de
advocacia a serviço das multinacio-
nais. “Os governos africanos carecem
de competências técnicas e jurídicas
para que essas parcerias sirvam às
suas finanças públicas”, explica Phi-

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