Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

(Antfer) #1

NOV EMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 25


bilhões de zlotys (R$ 5,8 bilhões) de
dinheiro público foram injetados di-
retamente para sustentar as empre-
sas estatais. Estas, já amplamente
subvencionadas, só podem sobrevi-
ver com um grande reforço de em-
préstimos acordados pelos bancos
públicos, garantidores em última
instância de uma atividade em défi-
cit crônico, que se tornou tão pouco
rentável que nenhum ator privado
deseja investir nela. “Nesse mo-
mento, custa mais caro produzir ele-
tricidade com carvão que com turbi-
nas eólicas, por exemplo”, explica
Ilona Jedrasik, da ONG ClientEarth.
Os sucessivos governos estão cientes
de que a era do carvão está termi-
nando, mas continuam a manter a
indústria em respiração artificial
para evitar uma contestação social e
uma derrota eleitoral. O medo de no-
vas greves é real após a revolta de
2015 na Silésia. A França serve de
contraexemplo: a mídia evoca com
frequência a possibilidade de um ce-
nário parecido com o dos “coletes
amarelos”. Todo mundo sabe: inde-
pendentemente até da questão cli-
mática, o carvão está condenado a
desaparecer, mas ninguém quer as-
sumir a responsabilidade.
Após ter sido dominada durante
séculos por potências vizinhas, a Po-
lônia teve por prioridade garantir sua
independência e sua segurança ener-
géticas. Durante as três últimas dé-
cadas, buscou diversificar suas fon-
tes de energia a fim de assentar sua
independência em relação à Rússia,
de onde provinham 90% do petróleo
e do gás importados no momento da
entrada do país na União Europeia
em 2004. Para se desfazer dessa de-
pendência, dedicou-se a investimen-
tos importantes: construção da rede
de gás, reconversão de refinarias,
edificação e em seguida ampliação
de um terminal de gás natural lique-
feito (GNL) às margens do Mar Bálti-
co, em Swinoujscie (Pomerânia Oci-


dental). Por fim, um novo gasoduto
permitirá em breve à Polônia impor-
tar gás norueguês via Dinamarca – e
cruzará com os gasodutos russos que
alimentam a Alemanha... Segundo o
plano do governo atual, o país será
totalmente independente do antigo
“irmão mais velho” a partir de 2022.
“É uma maneira de mostrar que não
precisamos do gás russo”, explica
Proninska. “Não consideramos a
Rússia um fornecedor confiável, pois
ela utiliza a entrega de recursos natu-
rais como uma arma.”

Nesse contexto, os sucessivos go-
vernos apresentaram os derivados de
carvão como uma das chaves da so-
berania energética. “Há uma verda-
deira ansiedade geopolítica, que,
fundamentada ou não, impede a Po-
lônia de se desapegar do carvão”,
completa Galgoczi. Isso não ocorre
sem contradições: para atenuar o dé-
ficit de competitividade da produção
nacional, o país foi levado a importar
em média 40% de suas necessidades
dirigindo-se... à Rússia! Isso permitiu
manter em funcionamento as estru-
turas mineradoras a um custo menor
e adiar ainda a transição.
Algumas comunidades depen-
dem inteiramente dessa indústria. Os
fechamentos de minas são vividos
como dramas sociais por populações
cuja vida inteira estava centrada nes-
se recurso nacional. Após os fecha-
mentos, a sobrevivência de alguns
ainda depende da exploração clan-
destina do que chamamos de “esca-
vação da pobreza”, uma prática peri-

gosa e reprimida com severidade. Os
mineiros temem passar do status de
heróis da era industrial ao de aban-
donados à própria sorte da sociedade
ecológica; as classes populares des-
confiam de uma transição teleguiada
por Bruxelas que ocorreria em detri-
mento de seus interesses. Apenas um
programa ambiental aliando justiça
social e ambição ecológica poderia
desbloquear a situação.

FINANCIAMENTOS EUROPEUS
Quanto a isso, o Pacto Verde pela Eu-
ropa, adotado em 2019, poderia mu-
dar o contexto. Entre as medidas
anunciadas, a criação de um “Fundo
para uma Transição Justa” deve pos-
sibilitar alocar montantes importan-
tes a fim de permitir uma transfor-
mação das regiões dependentes de
indústrias poluentes. No entanto,
grandes interrogações ainda existem
sobre esse programa, em especial so-
bre o tamanho do financiamento de-
sejado. Este foi com certeza ampliado
desde a proposição inicial, passando
de 7,5 bilhões de euros a quase 40 bi-
lhões de euros, antes de ser reduzido
na metade de julho: nas negociações
sobre o plano de retomada, o Conse-
lho Europeu propôs 17,5 bilhões de
euros. Esse montante fica longe das
necessidades, segundo o governo po-
lonês. Contudo, sem financiamento à
altura dos desafios, a transição polo-
nesa não ocorrerá, afirma Adam Gui-
bourgé-Czetwertyński, vice-ministro
do Clima: “Não adianta nada falar de
objetivo para 2050 sem discutir os
meios financeiros. A Comissão Euro-
peia estima que mais de 300 bilhões
de euros por ano serão necessários
em toda a União Europeia apenas pa-
ra atingir os objetivos para 2030. E a
Polônia em especial precisa disso,
pois não acumulamos capital duran-
te gerações como em outros países”.
Além disso, um aumento do “Fun-
do para uma Transição Justa” corre o
grande risco de se fazer em detri-

mento dos recursos estruturais dos
quais os países-membros se benefi-
ciam a título da Política Agrícola Co-
mum, e sobretudo do Fundo de Coe-
são, destinado aos países da Europa
central que produzem menos rique-
za que a média comunitária.^6 “O
anúncio de um reforço dos fundos é
bem-vindo, mas devemos nos asse-
gurar de que esse mecanismo virá
em complemento, e não no lugar dos
orçamentos atuais de coesão”, resu-
me Galgoczi.
Por fim, enquanto esse fundo de-
veria ser utilizado para apoiar finan-
ceiramente os trabalhadores das in-
dústrias fósseis e permitir sua
transferência para outros empregos,
parece, até o momento, um mero
aporte destinado aos países mais re-
ticentes. Como explica Pawel War-
gan, coordenador da campanha
Green New Deal for Europe, “os fun-
dos não garantem em absoluto que o
dinheiro vai efetivamente f luir e be-
neficiar as pessoas mais vulneráveis
ou as mais abaladas pela transi-
ç ã o”.

*Agathe Osinski e Matthias Petel são
doutorandos na Universidade Católica de
Louvain, Bélgica.

1 Coal production and consumption statistics
[Produção de carvão e estatísticas de consu-
mo], Eurostat, jun. 2019.
2 Ler Julien Vercueil, “Thérapie de choc ou gra-
dualisme?” [Terapia de choque ou gradualis-
mo?], Le Monde Diplomatique, jun. 2020.
3 Thibault Deleixhe, “Dans les coulisses de la
Pologne de Kaczynski” [Nos bastidores da
Polônia de Kaczynski], Politique, 13 dez.


  1. Disponível em: http://www.revuepolitique.be.
    4 Base de dados do Banco Mundial.
    5 Aleksander Szpor, “The changing role of coal
    in the Polish economy” [A mudança do papel
    do carvão na economia polonesa]. In: Bela
    Galgoczi (org.), Towards a just transition:
    coal, cars and the world of work [Em direção a
    uma transição justa: carvão, carros e o mundo
    do trabalho], Instituto Europeu de Sindicatos,
    Bruxelas, 2019.
    6 Simone Bennazzo, “Un vent de l’Est contre le
    Green Deal de la Commission européenne”
    [Um vento do Leste contra o Green Deal da
    Comissão Europeia], Courrier International,
    Paris, 28 jun. 2020.


As medidas climáticas
são consideradas por
alguns como uma inge-
rência externa que pode-
ria prejudicar o desenvol-
vimento econômico

.
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