Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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NOV EMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 35


suas armas. Com as receitas fiscais
da cidade subindo (11,3% entre 2015 e
2016) e o ministro federal das Finan-
ças planejando retirar mais recursos
do orçamento de Moscou para bene-
ficiar outras regiões,^9 a capital preci-
sava de um projeto substituto. Um
ambicioso programa de renovação
urbana, no valor de 100 bilhões de ru-
blos (R$ 7,4 bilhões), foi colocado em
prática em 2017. Seu objetivo: demo-
lir 5 mil edifícios antigos. A área –
composta principalmente de khrush-
chevki, imóveis pré-fabricados
construídos em massa entre 1957 e
1968, quando Nikita Kruchev gover-
nava a União Soviética – compreende
350 mil apartamentos, onde vivem
mais de 1 milhão de pessoas, ou seja,
quase um em cada dez habitantes de
Moscou. Segundo o decreto munici-
pal de 1º de agosto de 2017, sua des-
truição permitirá “dar uma imagem
moderna à capital da Rússia”, acom-
panhando “a formação de uma estru-
tura policêntrica”.
Em entrevista ao site de notícias
econômicas RBK, o ministro federal
da Construção, Mikhail Men, anun-
ciou a realocação dos moradores: “No
mesmo bairro ou nas proximidades,
mas eu prometo a vocês: não na Nova
Moscou!”^10 – uma forma de confessar,
em meias palavras, o fracasso do pro-
jeto. Além disso, as unidades teriam a
mesma área das antigas, porém em
edifícios muito mais altos (até 72 an-
dares!)^11 e mistos, ou seja, mesclando
moradia, escritórios e redes varejis-
tas. A ideia era introduzir novos usos
em bairros até então essencialmente
residenciais, a fim de “reduzir [a ne-
cessidade de mobilidade da popula-
ção e] a carga sobre a infraestrutura
de transporte”.^12 Cada bairro deveria
tornar-se uma ilha de vida relativa-
mente independente – um polo –, on-
de se pode morar, trabalhar e man-
dar os filhos à escola.
Anunciado um ano antes das elei-
ções municipais e presidenciais de
2018, esse programa, elaborado em
uma perspectiva eleitoreira, desper-
tou uma breve oposição. Com uma
reação rápida, o município lançou
uma grande consulta popular, de 15
de maio a 15 de junho de 2017, no
aplicativo municipal para celular
“Cidadão Ativo”. Com apenas um to-
que em seus smartphones, os mora-
dores – muitos dos quais haviam re-
cebido gratuitamente, desde 1992,
títulos de propriedade dos imóveis
que ocupavam durante o período so-
viético – podiam dar sua opinião so-
bre o destino dos edifícios. Se mais
de um terço deles fosse contrário à
demolição, ela seria cancelada. O re-
sultado da votação foi um sucesso
para o município: apenas 11% dos
edifícios cadastrados foram retira-
dos da lista de demolição.


Assim, seguiu-se a densificação
urbana iniciada sob o mandato de
Lujkov, dessa vez contando com
novas tecnologias, que permitiram
neutralizar possíveis conf litos sociais
e coletar dados pessoais (ler “Mira-
gens da democracia eletrônica”). No
final dos anos 2000, o município não
tinha grandes preocupações com a
“democracia participativa”. Por
exemplo, as autoridades falsificaram
em massa as assinaturas dos proprie-
tários de unidades imobiliárias para
confiar a síndicos amigos a gestão
dos edifícios de moradia da capital...
Os novos métodos, inspirados no
marketing urbano, também consis-
tem em uma ruptura.
Todos esses projetos mudam a vi-
da dos habitantes de Moscou. Muitos
especialistas temem que a anexação
de territórios e a “renovação” da ci-
dade velha, longe de reequilibrar a
ossatura da capital, causem novos
problemas. De 1989 até os dias
atuais, Moscou captou 45% dos no-
vos 8 milhões de moradores das
quinze cidades com mais de 1 mi-
lhão de habitantes da Rússia, e a ten-
dência não parece perto de se rever-
ter. “A vida dinâmica e ativa da
Rússia, em seu enorme território,
não pode se concentrar em algumas
megalópoles”, disse Putin em 2018,
no discurso presidencial ao Parla-
mento por ocasião de sua posse. Au-
tocrítica? Na verdade, não. “As gran-
des cidades devem difundir sua
energia, servir de apoio a um desen-
volvimento espacial harmonioso e
equilibrado de toda a Rússia”, acres-
centou.^13 “Difundir sua energia”,
portanto. Em um contexto de hiper-
centralização política e orçamentá-
ria (ler “Todos os caminhos levam a
Moscou”), o mito da difusão parece
ter um grande futuro pela frente.

*Vladimir Pawlotsky é doutorando em
Geografia no Institut Français de Géopoliti-
que [Instituto Francês de Geopolítica], da
Universidade Paris 8.
1 Richard Florida, The Rise of the Creative
Class: And How It’s Transforming Work, Lei-
sure, Community And Everyday Life [A as-
censão da classe criativa: e como isso está
transformando o trabalho, o lazer, a comuni-
dade e a vida cotidiana], Basic Books, Nova
York, 2002.
2 David Bensoussan, “Quand les Russes recru-
tent d’anciens députés français” [Quando os
russos recrutam ex-parlamentares franceses],
Challenges, Paris, 5 jan. 2019.
3 “Global Real Estate Markets – Annual Review
and Outlook” [Mercado imobiliário global –
revisão anual e perspectivas], Knight Frank,
Londres, 2009.
4 Pascal Marchand, Moscou, Autrement, Paris,
2010.
5 Alla Makhrova e Roman Babkine, “Metodologia
para delimitação da aglomeração moscovita
com base em dados das operadoras de telefo-
nia” (em russo), Études régionales (Moscou),
n.2, 2019. Disponível em: http://www.smolgu.ru.
6 Ler Hélène Richard, “À Moscou, rêves de li-
berté et grand embouteillage” [Em Moscou,
sonhos de liberdade e enormes engarrafa-
mentos], Le Monde Diplomatique, ago. 2015.

7 Entrevista à rádio Ekho Moskvy, 17 jun. 2011.
8 Ler Hacène Belmessous, “Le Grand Paris ou
le pactole pour les bétonneurs” [Le Grand Pa-
ris, ou a mina de ouro das betoneiras], Le
Monde Diplomatique, out. 2018.
9 Forbes, edição russa, Moscou, 27 abr. 2019.
10 RBK, 27 fev. 2017. Disponível em: http://www.
rbc.ru.
11 Kommersant, Moscou, 29 dez. 2019.
12 Decreto N-497, 2017. Lei da Prefeitura de

Moscou N-497-PP, de 1º de agosto de 2017,
sobre o programa de renovação do parque
habitacional de Moscou.
13 Citado em Jean Radvanyi, “La nouvelle ‘Stra-
tégie de développement territorial’ russe.
Entre volontarisme et utopie? ” [A nova “Es-
tratégia de Desenvolvimento Territorial” rus-
sa. Entre o voluntarismo e a utopia?], Re-
gards de l’Observatoire Franco-Russe,
Paris, 2020.

Miragens da democracia eletrônica


A

lém de organizar grandes concursos internacionais de arquitetura, a
capital russa embarcou nas últimas inovações da “democracia eletrô-
nica local”. O objetivo: usar as mais recentes tendências do marketing ur-
bano para mudar a imagem da cidade soviética monumental, rígida e auto-
ritária, integrando-a ao clube das “cidades globais”.
Lançada em 2015, a plataforma virtual “Cidadão Ativo” conta com 3 mi-
lhões de usuários, já coletou 140 milhões de opiniões e colocou em vota-
ção 4.500 pontos. Esses pontos se relacionam a 24 grandes temas, como
transporte (“Moscou precisa de uma nova linha de metrô? ”), meio ambiente
(“Com que tipo de arbusto devem ser feitas as sebes em tal bairro? ”), cons-
trução (“Devemos priorizar estacionamentos, parques infantis ou áreas pa-
ra cães? ”), educação (“Que temas devem ser abordados durante as visitas
guiadas escolares? ”) e até esporte (“Em que estádio de Moscou você quer
assistir à Copa do Mundo de Futebol de Areia? ”).
Não se trata de submeter ao voto dos cidadãos as questões importantes


  • longe disso –, mas de fazer perguntas cujas respostas possam convergir
    com os objetivos das autoridades, ajudando a legitimar a ação municipal.
    Para garantir uma utilização sustentada da plataforma, apesar dos assun-
    tos banais que ela põe em discussão, o município oferece diversos brindes
    aos mais assíduos: lembranças, roupas, entradas para espetáculos, tíque-
    tes de estacionamento, passes de transporte, códigos promocionais etc.
    Essa estratégia clientelista permite coletar uma variedade de dados pes-
    soais. Os questionários não são anônimos, e para participar devem ser for-
    necidas informações: local de residência e de trabalho, e-mail, número de
    filhos, profissão, sensibilidade estética e política etc. – dados que podem
    ser muito úteis para a segmentação eleitoral... ( V. P. )


Todos os caminhos levam a Moscou


“M

oscou não é a Rússia.” Sobre qual capital já não ouvimos esse tipo
de afirmação? Ela reflete, porém, antes de mais nada, uma realida-
de estatística. Em 2018, com seus 12,6 milhões de habitantes, Moscou, a
maior cidade do país, à frente de São Petersburgo (5,3 milhões de habitan-
tes), representava 8% da população russa. Seu orçamento é quase quatro
vezes o da antiga capital imperial. A preponderância da capital também se
manifesta na produção da riqueza: ela é responsável por 21% do PIB. Na
maioria das regiões russas, a infraestrutura de transportes está em condi-
ções críticas, a produção é orientada sobretudo para os mercados locais e
o turismo é praticamente inexistente. Não é de espantar que em 2013 Mos-
cou concentrasse quase 60% das sedes de filiais de empresas estrangei-
ras, um fenômeno menos intenso do que o que se observa em Paris (73%),
Tóquio (70%) e Londres (69%), porém muito mais do que ocorre em cida-
des de Estados federais, como Frankfurt (18%) e Nova York (16%).^1 ( V. P. )

1 Olivier Di Lello e Céline Rozenblat, “Les réseaux de firmes multinationales
dans les villes d’Europe centre-orientale” [As redes de empresas multinacio-
nais nas cidades da Europa centro-oriental], Cybergeo, n.678, 20 jun. 2014.
Disponível em: https://journals.openedition.org.

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