38 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020
NOVAS NARRATIVAS DA WEB
Sites e projetos que merecem seu tempo
AMOR E GÊNERO
O New York Times fez um belo trabalho
interativo em que analisou todos os tex-
tos, de todos os seus colunistas, sobre
o amor. Dividiram entre escritos por ho-
mens ou mulheres e fizeram uma nuvem
de palavras – processo em que o texto
é colocado num software que mapeia e
conta a quantidade de palavras que mais
se repetem. Organizaram isso de forma vi-
sual e mostraram os resultados. Homens,
quando falam de amor, falam de sexo;
mulheres, de casamento. Mulheres falam
de sentimentos; homens, de ações. Veja a
pesquisa completa no link.
http://bit.ly/lovenyt
EPICENTRO
E se todos os mortos por Covid-19 no
Brasil fossem seus vizinhos? Esse es-
pecial da revista Piauí on-line, feito pela
Agência Lupa com o Google News Initia-
tive, mostra o que aconteceria com sua
vizinhança caso o epicentro da epidemia
de Covid-19 no Brasil fosse sua casa.
Colocando São Paulo como epicentro e
concentrando as mortes ao redor, mostra
que alguns bairros inteiros teriam desa-
parecido, como Perdizes, Pompeia e Pa-
caembu. Ou, comparativamente, a cidade
de Caieiras inteira, considerando as mais
de 150 mil mortes até o momento em que
este texto é escrito.
https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/
epicentro/
O QUE É UM PROPRIETÁRIO ÉTICO?
Centenas de instituições sem fins lucra-
tivos operam a ideia da propriedade ética
em todo o mundo. São organizações que
detêm propriedades e buscam mobilizá-
-las com regras alternativas às do merca-
do de compra e venda de imóveis. O proje-
to “O que é um proprietário ético” mapeia
essas propriedades e as publica num site.
O mapa mostra que a construção de alter-
nativas ao mercado imobiliário especulati-
vo é um movimento global. É também uma
ação política para mostrar lado a lado ini-
ciativas que em geral são vistas como iso-
ladas. E facilita a busca para a pesquisa.
http://bit.ly/eticaimobiliaria
[Andre Deak] Diretor do Liquid Media
Lab, professor de Jornalismo e Cinema na
ESPM, mestre em Teoria da Comunicação
pela ECA-USP e doutorando em Design
na FAU-USP.
livros internet
O
que fazer quando o exílio de outrem se encontra
dentro de você? Daniel apalavrou essa busca
nos significados da história da mãe, uma guerrilheira
desaparecida na ditadura civil-militar (1964-1985).
Mãe e filho não apresentados, ou reconhecíveis,
são ligados pelos desaparecimentos de corpos re-
presentados. Como narra a autora: “o instante da
separação foi seu único encontro”. Os tipos antôni-
mos de esquecimentos nos apresentam o encontro
de Daniel com Melina, ambos da geração de filhos
da ditadura. Duas pessoas que reencontram suas
ausências tanto em suas famílias quanto nas histó-
rias que constroem e fazem um país. Ele na busca
do exílio de outro corpo em si, o de sua mãe. Ela
com a negativa histórica de sua família, que mini-
miza os efeitos e a existência da ditadura. O corpo
interminável reconstrói a história da busca do desa-
parecimento, no qual o futuro não se inscreve em
respostas nem em horizontes.
N
a redoma de nossa experiência contemporânea
estão calcadas múltiplas brechas para o des-
vendamento de um futuro possível – que ele seja
inventivo e solidário. Paulo Spina trava uma relação
coletiva intempestiva com o próprio tempo por meio
de proposições por novos modos do fazer político
e da criação afetiva que despontem da fragilidade
pandêmica, esta que desvela o tecido da vida em
sua brutalidade e esclerose.
Ofensivas – A potência do não retorno à norma-
lidade é um manifesto passional de muitas vozes.
Olhando para o corpo morto do “normal”, propõe-se
a infalibilidade da vida e a mobilização dos afetos
coletivos de ampliação de suas potências perenes.
O esforço coerente por uma solidariedade que teça
todos os espaços em horizontalidade transformado-
ra é o fio que narra as ofensivas que insistem em ver
uma possibilidade vivível em queda livre.
MISCELÂNEA
O CORPO
INTERMINÁVEL
Claudia Lage,
Editora Record
OFENSIVAS –
A POTÊNCIA DO
NÃO RETORNO À
NORMALIDADE
Paulo Spina,
Glac Edições
Claudia Lage nos divide nas partes entre distân-
cias, presenças e corpos, em que escutamos vozes
que buscam suas próprias narrativas corpóreas. A
atuação da militância feminina das guerrilheiras é
contada não em seus macroarcos revolucionários,
mas por memórias e apagamentos, vertigens fu-
gidias, na tentativa de serem encarnadas. São as
histórias de Daniel e Melina que nos revelam os
corpos que já nascem extintos, mas que se revelam
em presenças.
Ao lermos nos perguntamos se são os corpos do-
nos dos tempos. Uma ficção que é escrita sobre um
momento pretérito, mas que não imaginava encon-
trar rastros de realidade ao ser publicado. Que não
se imaginava ressoar numa atualidade que tenta
pactuar sobre uma desmemória do que foi. Ao de-
saparecerem com os corpos, tentavam apagar tam-
bém o tempo vivido e a história escrita. O livro é um
ativo de biografias que nos apresenta um memorial
cujo corpo que nasce extinto mostra a extinção de
um tempo. Ele nos fala de um Brasil contemporâ-
neo em que o desconhecimento histórico não pode
suplantar futuros.
[Beatriz Brandão] Antropóloga e jornalista, pós-
-doutoranda em Sociologia pela USP, doutora em
Ciências Sociais pela PUC-Rio e mestra em Ciên-
cias Sociais pela Uerj. Pesquisa temas transversais
ao conflito e à arte na interface com drogas, refú-
gio e gênero.
A pandemia ocasionada pelo coronavírus orientou
os olhares para uma devastação bruta latente, trou-
xe à luz – mesmo que turva e intoxicada – um colap-
so inescapável. O efeito incontrolável das implosões
organizacionais da sociedade convida à formulação
de um bem viver intrincado numa expressão genuína
de solidariedade formada pelo atravessamento das
dimensões coabitantes da produção de uma vida
reinventada. Essa forma de solidariedade demanda
a vista lúcida à decrepitude da disputa neoliberal e
sua proposta de erupção violenta do sujeito.
No cerne das proposições delineadas existe o
apelo à condição de criação do hoje, negando a es-
pera melancólica e propondo a superação do reduc-
tio ad absurdum da sociedade que se escancara.
Entre a metamorfização do comum, as transfor-
mações operam em todas as condições de subal-
ternidade – doméstica, comunitária, nacional e
transnacional. Os contornos populares de uma or-
ganização genuína e solidária dependem da guerra
às produções de impotência em que o comum é o
real aliado.
[Fabiana Gibim] Editora da sobinfluencia. Pesqui-
sa sobre surrealismo e teoria da imagem.
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