Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 160 (2020-11)

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6 Le Monde Diplomatique Brasil^ NOVEMBRO 2020


A entrada de Bolsonaro na disputa municipal de Fortaleza ocorreu no início de outubro.
Em live transmitida no dia 8, o presidente afirmou: “Em Fortaleza tem um capitão lá.
Se Deus quiser vai dar certo, já está na frente”, numa clara referência ao Capitão Wagner,
que despontou em primeiro lugar nas pesquisas

POR MONALISA SOARES LOPES*

DESPERSONALIZAÇÃO E POSITIVAÇÃO


D


esde 2018, especula-se em que
medida a onda conservadora e
de direita conseguirá se repro-
duzir em nível municipal. Na
análise de Antonio Lavareda e Antônio
Fernandes,^1 os aspectos que tornaram
2018 uma disputa crítica já estavam
anunciados no último pleito munici-
pal: crise econômica, rejeição ao PT e
candidatos outsiders vitoriosos. Deve-
mos, portanto, pensar as candidaturas
de direita, na atual disputa, não ape-
nas como um ref lexo da organização
de 2018, mas também como f luxo de
um processo que obteve destaque nas
grandes cidades já em 2016.
Apresento as estratégias e emba-
tes de duas candidaturas que dispu-
tam votos, no campo da direita, para
a Prefeitura de Fortaleza: Capitão
Wagner (Pros), representante do f lu-
xo iniciado em 2016, e Heitor Freire
(PSL), que emergiu na onda de 2018.
Wagner é deputado federal (2019-
2022), foi vereador (2013-2014) e depu-
tado estadual (2015-2018). Em sua tra-
jetória prévia à carreira política,
evidenciou sua vinculação às forças
de segurança pública, na condição de
capitão da Polícia Militar do estado do
Ceará. Heitor Freire, também deputa-
do federal (2019-2022), em sua trajetó-
ria destaca a relação com a Igreja
evangélica, que lhe concedeu a opor-
tunidade de estudar fora do país e tra-
balhar em bancos internacionais.
Apesar de disputarem o mesmo
espectro político e terem feito cam-
panha para Bolsonaro em 2018, foi
em torno da candidatura de Capitão
Wagner que se reuniram as lideran-
ças eleitas na onda bolsonarista: o
senador Eduardo Girão (Podemos), o
deputado federal André Fernandes
(Republicanos), além de figuras já
estabelecidas, como os deputados
estaduais Dra. Silvana (PL) e delega-
do Cavalcante (PSL), entre outros. É
relevante destacar que o distancia-
mento de Freire do núcleo bolsona-
rista ocorreu em 2019 por um dissen-
so com o presidente, que o acusou de
ter vazado o áudio de uma conversa
entre os dois.
Wagner reuniu nove partidos em
sua coligação (Pros, Republicanos,
Podemos, Avante, PSC, PMN, PMB,

PTC e DC), tendo como vice a advo-
gada Kamila Cardoso (Podemos). Já
Heitor Freire firmou aliança apenas
com o PRTB, do vice-presidente Ha-
milton Mourão, e a cabo da Polícia
Militar Laurice Maia (PSL), filiada no
dia da convenção, ficou como vice.
Se a campanha de Wagner foi exi-
tosa em reunir as lideranças bolsona-
ristas, o léxico e os símbolos mais ex-
pressivos da direita que compuseram
a campanha do presidente em 2018
não ganham notoriedade em sua pro-
paganda eleitoral na TV. Os progra-
mas têm sido dedicados à produção
da imagem retomando sua trajetória
pessoal e profissional. Busca-se apre-
sentá-lo como alguém oriundo da pe-
riferia, que “venceu na vida” pelo es-
forço na educação. Por isso,
conheceria os problemas da maioria
da população. A pauta da segurança,
que marcou sua inserção na vida pú-
blica, fica esmaecida diante de novas
imagens, como a de professor e lide-
rança política independente. A rela-
ção com o bolsonarismo emerge na
menção ao governo federal, não dire-
tamente ao presidente, e à conquista
de recursos para o enfrentamento à
Covid-19 no Ceará. A bandeira do
Brasil aparece rápida e sutilmente; as
cores que marcam a comunicação vi-
sual são o branco, o roxo e o azul.
Os programas de Heitor Freire,
por sua vez, emulam os signos mobi-
lizados na campanha de Bolsonaro
em 2018. As referências às redes so-
ciais, às cores da bandeira nacional, à

ideia da necessidade de “endireitar”
Fortaleza, entre outras, fazem a linha
direta com a onda que se espalhou no
último pleito nacional. A direita, co-
mo espectro político, é acionada ex-
plicitamente no mote “a direita faz
direito”. Uma das peças veiculadas
chama atenção: num quiz de conhe-
cimento sobre o candidato, são lidas
perguntas que envolvem informa-
ções sobre Freire e seus concorrentes.
Na tela, dividida em duas colunas,
SIM e NÃO, o candidato se posiciona
quando da leitura. Chamam atenção
as assertivas que demarcam críticas
a Wagner. São elas: a) Precisa de cole-
te à prova de balas para entrar na fa-
vela?; e b) Já esteve do lado do PT al-
guma vez na vida? A segunda
pergunta sinaliza uma disputa sobre
o monopólio da representação da di-
reita, buscando sugerir falta de pure-
za e/ou oportunismo do adversário
na defesa das causas e valores.
A entrada de Bolsonaro na disputa
municipal de Fortaleza ocorreu no
início de outubro. Em live transmiti-
da no dia 8, o presidente afirmou:
“Em Fortaleza tem um capitão lá. Se
Deus quiser vai dar certo, já está na
frente”, numa clara referência a Wag-
ner, que despontou em primeiro lugar
nas pesquisas. Na mesma ocasião,
Bolsonaro também se referiu, de mo-
do negativo, a Freire, chamando-o de
“cara de pau” pelo fato de ter rompido
com o grupo e estar usando sua ima-
gem. Os comentários do presidente
repercutiram na imprensa local.

Wagner afirmou a relevância do
apoio, enquadrando-o na perspectiva
da importância do acesso a recursos
para a cidade. Heitor Freire, por sua
vez, afirmou que o desentendimento
com o presidente foi fruto de fofoca e
voltou a disputar com Wagner o posto
de bolsonarista autêntico: “Sou o de-
putado mais fiel a Bolsonaro nas vota-
ções”. Estendendo sua disputa para o
espectro da direita, Freire continuou:
“Votou contra a reforma da Previdên-
cia. Já apoiou o PT no passado [...]”,
referindo-se a Wagner.
A pesquisa Datafolha de 17 de ou-
tubro trouxe os candidatos de direita
em posições opostas: de um lado, Ca-
pitão Wagner, consolidado em pri-
meiro lugar (33%); de outro, Heitor
Freire, que nem sequer pontuou. Um
dado relevante nesse levantamento é
a rejeição do eleitorado a um candi-
dato apoiado pelo presidente (64%
dizem não votar de jeito nenhum).
Wagner, por sua vez, é o candidato
mais mencionado (27%) diante da
questão: “Quem Bolsonaro apoia na
disputa?”. Tal dado levanta questões
sobre como é possível ao candidato
do Pros, que reúne o apoio do presi-
dente e das principais lideranças bol-
sonaristas do estado, ter uma perfor-
mance tão positiva nas pesquisas.
Elenco dois motivos: 1) o recall do
pleito de 2016, no qual ele foi ao se-
gundo turno; e 2) a pré-campanha,
que foi bastante presente nas redes
sociais e na cobertura midiática.
Mais especificamente sobre a asso-
ciação com Bolsonaro, é relevante
ainda destacar que a campanha de
Wagner tem buscado despersonali-
zar e positivar a relação, mencionan-
do o governo federal e a conquista de
recursos, em vez de nominar direta-
mente o presidente. Por ora, Capitão
Wagner não tem precisado lidar com
a campanha negativa que o associa a
Bolsonaro. Seus opositores diretos,
Luizianne Lins (PT) e Sarto Nogueira
(PDT), segunda e terceiro colocados
nas pesquisas, respectivamente, não
propuseram tal associação. O fato de
estar isolado no primeiro lugar e ter
vaga praticamente assegurada no se-
gundo turno parece garantir ao can-
didato do Pros a possibilidade de en-
frentar o imbróglio da rejeição de
Bolsonaro em Fortaleza somente na
segunda volta. Até lá veremos se a es-
tratégia de despersonalização e posi-
tivação terá funcionado.

*Monalisa Soares Lopes é professora do
Departamento de Ciências Sociais da UFC e
pesquisadora do Laboratório de Estudos so-
bre Política, Eleições e Mídia (Lepem/UFC).

1 Antonio Lavareda e Antônio Fernandes, “Um
ciclo de eleições críticas: 2018 começou em
2016 ”. In: Antonio Lavareda e Helcimara Tel-
les, Eleições municipais: novas ondas na polí-
tica, FGV Editora, Rio de Janeiro, 2020.

A direita disputa Fortaleza


Duas candidaturas de direita disputam a Prefeitura de Fortaleza

© Rodrigo Capote/WRI Brasil

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