NOV EMBRO 2020 Le Monde Diplomatique Brasil 9
Armas, privatizações
e tribunais
As principais propostas dos seis candidatos mais à direita na disputa para a prefeitura do Rio de Janeiro:
Eduardo Paes, Marcelo Crivella, Paulo Messina, Glória Heloíza, Luiz Lima e Fred Luz
POR GUILHERME SIMÕES REIS*
À DIREITA NO RIO
A
eleição para a Prefeitura do
Rio de Janeiro tem o maior nú-
mero de candidatos em vinte
anos. Concorrem, pela esquer-
da, Benedita da Silva (PT), Renata
Souza (Psol), Henrique Simonard
(PCO) e Cyro Garcia (PSTU) e, ao
centro, Martha Rocha (PDT), Claris-
sa Garotinho (Pros), Eduardo Ban-
deira de Mello (Rede) e Suêd Haidar
(PMB). Este artigo apresenta as
principais propostas dos seis candi-
datos mais à direita na disputa:
Eduardo Paes, Marcelo Crivella,
Paulo Messina, Glória Heloíza, Luiz
Lima e Fred Luz. Vários deles anun-
ciam que vão planejar e resolver
problemas por meio de diálogo, revi-
sar contratos e licitações, dar conti-
nuidade às obras paradas, fomentar
os polos industriais e a economia
criativa, fortalecer o turismo, tornar
a gestão mais ágil e informatizada,
integrar e valorizar as diferentes
áreas da cidade e, claro, ser transpa-
rentes e rigorosos no combate à cor-
rupção. Messina vê o armamento da
Guarda Municipal ainda como pos-
sibilidade a estudar, enquanto todos
os demais cinco candidatos preten-
dem dotar de armas de fogo ao me-
nos parte do contingente. Por outro
lado, mesmo as candidaturas mais
alinhadas ao bolsonarismo ou ao
conservadorismo de costumes men-
cionam a população LGBTQI+ em
seus programas escritos.
O atual governador do Rio de Ja-
neiro está afastado e foram presos os
cinco governadores anteriores (não
contando os vices que assumiram).
Na mesma toada, metade dos candi-
datos da direita a prefeito na capital
do estado é investigada. A situação
mais grave é a do atual alcaide, Mar-
celo Crivella, que tenta a reeleição.
Até o envio deste artigo, sua candida-
tura não estava deferida e aguardava
julgamento de recurso, pois foi torna-
do inelegível pelo TRE por causa de
condenação por usar funcionários e
veículos da Comlurb, companhia de
limpeza urbana, para transportar
servidores públicos para a campanha
de seu filho a deputado federal. O pre-
feito é alvo ainda na investigação de
outros crimes. Paulo Messina, que foi
o principal secretário municipal de
Crivella, foi acusado pelo Ministério
Público do Rio de Janeiro em setem-
bro de 2020 de também participar de
esquemas ilegais. Segundo o MPRJ,
haveria na prefeitura uma disputa por
recursos da corrupção entre dois gru-
pos, um do qual faria parte Mauro
Macedo, primo de Edir Macedo e te-
soureiro de Crivella, e outro liderado
por Messina. Já o ex-prefeito Eduardo
Paes, líder nas pesquisas, está envol-
vido em acusações ou denúncias de
caixa dois e de fraudes na contratação
das empresas de ônibus e na constru-
ção do Complexo Esportivo de Deo-
doro, utilizado nos Jogos Olímpicos.
Eduardo Paes (Democratas) con-
traria a tendência recente do extre-
mismo de direita e da negação da po-
lítica. Busca se apresentar como o
candidato experiente e bem avaliado
que ocuparia o centro ideológico. Sua
coligação de sete partidos se chama
“A Certeza de um Rio Melhor”. Afirma
que vai ampliar os recursos do pro-
grama Cartão Família Carioca e criar
novos restaurantes e farmácias po-
pulares, oferecer tablets com internet
móvel para todos os estudantes da re-
de pública e microcrédito para as pe-
quenas empresas.
Crivella (Republicanos) apela di-
retamente ao eleitorado evangélico
sem os pudores laicos da eleição pas-
sada: sua coligação de oito partidos se
chama “Com Deus, pela Família e pe-
lo Rio”. Segundo a Agência Lupa, Cri-
vella descumpriu 80% das promessas
da campanha, mas seu novo plano de
governo também é ousado. A meta é
80% dos serviços oferecidos estarem
acessíveis pela internet até 2023. Para
transformar o Rio em uma smart city,
quer instalar, via PPPs, pontos de wi-
-fi e câmaras com reconhecimento
facial. Esse tipo de vigilância e coleta
de dados se estenderia às crianças,
em outra inovação: a Escola Digital.
Esta utilizaria uma plataforma cha-
mada Escola.Rio, em que o registro de
entrada e saída das crianças, que re-
ceberiam notebooks, seria feito por
reconhecimento facial. Crivella pro-
põe ainda a criação do Banco Carioca
de Fomento para pequenos empreen-
dedores e muitos incentivos fiscais
para grandes empresas.
Paulo Messina foi líder da bancada
de Crivella na Câmara Municipal e
seu chefe da Casa Civil, chegando a
ser chamado de “primeiro-ministro”.
Em 2019, rompeu com ele e se tornou
vereador de oposição. Nas duas últi-
mas legislaturas, Messina trocou sete
vezes de partido, só entrando no MDB
em abril de 2020. Segundo seu pro-
grama, promete novos concursos pú-
blicos, mas realizará controle digital
do ponto dos funcionários de todos os
órgãos municipais. Quer revisar a
concessão da Cedae, estatal de capital
misto, citando o exemplo de Niterói,
que privatizou os serviços de forneci-
mento de água e saneamento. Prevê a
coleta seletiva de lixo pela Comlurb e
a cessão de terreno para empresas
privadas de reciclagem, com isenção
de IPTU e linhas de crédito para aqui-
sição de equipamentos.
Glória Heloíza parecia seguir os
passos de Wilson Witzel em sua elei-
ção para governador. Em março de
2020, ela pediu exoneração como juí-
za e filiou-se ao mesmo partido dele,
o PSC, em cerimônia com o presiden-
te da legenda, pastor Everaldo. Entre-
tanto, este foi preso sob acusação de
liderar esquema de desvio de recur-
sos da saúde destinados ao enfrenta-
mento da pandemia. Denunciado co-
mo cúmplice, Witzel foi afastado do
cargo e sofre processo de impeach-
ment. Ainda assim, o programa de
Glória Heloíza adota o discurso con-
tra o “toma-lá-dá-cá da velha políti-
ca” e propõe como alternativa a insti-
tuição de emendas impositivas dos
vereadores no orçamento, para dei-
xar de existir a troca de emendas dos
parlamentares municipais por apoio
automático deles aos projetos da pre-
feitura. Em seus discursos, a candi-
data enfatiza a necessidade cultural e
para o turismo de valorização das
identidades de cada bairro.
O ex-nadador Luiz Lima (PSL),
que ingressou na política como se-
cretário nacional de Esportes de Alto
Rendimento de Michel Temer e é vi-
ce-líder do governo Bolsonaro, tem
histórico de atleta e disputa com Cri-
vella a condição de candidato bolso-
narista. Seu programa de governo
prevê um “choque fiscal na máquina
pública”, ou seja, a demissão de fun-
cionários do município até “eliminar
ineficiências e atingir o tamanho
ideal para a força de trabalho”. Pre-
tende privatizar a Cidade do Samba e
o Sambódromo. Curiosamente, quer
incentivar ensaios técnicos das esco-
las de samba nesse mesmo Sambó-
dromo que pretende vender. Tam-
bém visa privatizar a Cedae.
Bandeira de Mello não é o único
ex-dirigente do Flamengo a disputar
a eleição. O candidato do Novo, Fred
Luz, foi diretor-geral do clube. No
partido, coordenou a campanha pre-
sidencial de João Amoêdo e partici-
pou da equipe de transição de Romeu
Zema no governo de Minas Gerais.
Fred Luz propõe descentralizar a ges-
tão, fortalecendo subprefeituras. No
mesmo estilo do recrutamento dos
candidatos de seu partido, a escolha
dos administradores regionais segui-
ria critérios empresariais. Faria o
mesmo com os secretários munici-
pais, vedando esses cargos aos verea-
dores. Zema, no entanto, fez o inver-
so no governo mineiro, indicando
vereador do Novo para chefe da Se-
cretaria Geral.
*Guilherme Simões Reis é professor da
Escola de Ciência Política da Unirio.
Crivella apela ao eleito-
rado evangélico sem os
pudores laicos da eleição
passada: sua coligação
se chama “Com Deus,
pela Família e pelo Rio”
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