Le Monde Diplomatique - Brasil - Edição 161 (2020-12)

(Antfer) #1
O

Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em 6 de outubro
uma resolução que permite o ensino remoto nas escolas públicas e
particulares até 31 de dezembro de 2021. A decisão possibilita que
as redes estaduais e municipais reorganizem seus calendários 2020/2021
tanto para manter as aulas exclusivamente on-line, se a pandemia exigir,
como para iniciar uma retomada das atividades presenciais de forma
gradual e rodiziada. É nessa segunda frente que se insere um dos princi-
pais desafios da educação na atualidade: a estruturação, para o ensino
formal, do ensino híbrido ou combinado.
O parecer do CNE vem ao encontro da flexibilidade que as redes ne-
cessitam^1 para adequar a oferta da educação pública neste contexto de
pandemia e de retomada das aulas presenciais. A retomada combina nú-
mero reduzido de alunos, rodízio de turmas e manutenção das ativida-
des remotas, e as redes são uníssonas ao afirmar que a continuidade e
ampliação da reabertura dependem das condições sanitárias.
Assim, enquanto a vacina contra a Covid-19 não estiver aprovada e am-
plamente disponível, o modo de operação das escolas precisará continuar
se adequando – e mesclando atividades presenciais e remotas conforme o
que os especialistas e pesquisadores denominam de ensino híbrido.

ABECEDÁRIO DO ENSINO HÍBRIDO
Michael Horn e Heather Staker, no artigo “Blended Beyond Borders:
A scan of blended learning obstacles and opportunities in Brazil, Malay-
sia, & South Africa” (2015), conceituam o ensino híbrido como um pro-
grama de educação formal, no qual o aluno aprende em parte por meio
on-line – com algum controle do aluno sobre o tempo, lugar, percurso e/
ou ritmo da aprendizagem – e em parte em um espaço físico longe de
casa. As modalidades de aprendizagem presencial e a distância adotadas
na trajetória do aluno são conectadas para fornecer uma experiência de
aprendizagem integrada, o que pode incluir o uso de dados da aprendi-
zagem on-line para informar e orientar a aprendizagem off-line.
Além disso, o ensino híbrido pode ser estruturado via atividades sín-
cronas, nas quais o professor e os estudantes trabalham juntos em um
horário predefinido de maneira on-line ou presencial, ou assíncronas,
quando o aluno pode estudar em seu próprio tempo e velocidade, sem
necessidade de estar com a turma ou o educador. O ensino híbrido busca
unir os aspectos positivos das duas metodologias, a fim de oferecer me-
lhores condições de aprendizagem para os alunos.
César Nunes, gerente de desenvolvimento de soluções do Instituto
Unibanco, situa que o ensino híbrido pode ser entendido como uma ala-
vanca para que os alunos se vejam como permanentes aprendizes. “A
gente pensa que aprender pode ser prazeroso e que isso pode acontecer
a qualquer momento e em qualquer lugar”, disse ele, durante o webiná-
rio Desafios do Ensino Híbrido, realizado recentemente pelo Instituto
Unibanco. “Na sociedade do conhecimento, todos nós deveríamos ser
aprendizes a vida inteira e carregar este gosto por aprender o tempo
todo”, acrescentou.

OBSTÁCULOS MÚLTIPLOS E CAMINHO A PERCORRER
Com dados coletados em 2018, o recém-lançado relatório “Políticas
eficazes, escolas de sucesso”, elaborado pela Organização para a Coope-
ração e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), traçou uma espécie de
linha de base pré-pandemia sobre a capacidade das escolas de promover
o ensino e a aprendizagem usando dispositivos digitais. O documento
foi divulgado com a finalidade
de orientar os gestores públi-
cos em suas decisões de inves-
timento mediante as mudan-
ças trazidas pela Covid-19.
O estudo se baseou em rela-
tos de diretores de escolas de
países-membros e países par-
ceiros da OCDE. Em 2018, os
entrevistados no Brasil expuse-
ram o seguinte cenário:


  • 26% dos alunos estudavam
    em escolas com velocidade
    ou banda de internet
    suficiente.

    • 35% dos alunos estudavam em escolas com uma plataforma de suporte
      de aprendizagem on-line eficaz.

    • 42,3% dos alunos tinham professores com recursos profissionais efica-
      zes para aprender a usar dispositivos digitais.

    • 50,6% dos alunos tinham professores com as habilidades técnicas e pe-
      dagógicas necessárias para integrar dispositivos digitais à instrução
      dos alunos.

    • 52,2% dos alunos tinham professores com tempo suficiente para pre-
      parar aulas integrando dispositivos digitais a elas.
      Como indicam as estatísticas, as disparidades em termos de infraes-
      trutura tecnológica das escolas e qualificação dos professores, que se so-
      mam às desigualdades do aluno brasileiro no acesso à internet, impõem
      enormes obstáculos à plena implementação do ensino híbrido. Tais difi-
      culdades foram esmiuçadas no webinário do Instituto Unibanco por Nu-
      nes e por representantes das secretarias de Educação dos estados do Es-
      pírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Norte.




INTERAÇÃO VIA TECNOLOGIA
TEM VANTAGENS E PONTOS A AVANÇAR
Para Carmem Prata, assessora de tecnologia educacional da Secretaria
Estadual de Educação do Espírito Santo, o período de ensino remoto pro-
porcionou aumento da interação entre professores e alunos, dinâmica
que deve continuar com a adoção do modelo híbrido. “O ensino híbrido
expande muito o tempo de estudo e comunicação entre a turma e os pro-
fessores. O que antes eram 50 minutos de aula, agora são 24 horas de co-
municação aberta, 24 horas de conteúdos disponíveis, seja via WhatsA-
pp, outra rede social ou uma plataforma mais robusta”, explicou.
Além de permitir mais tempo de interação professor-aluno, a tecno-
logia age como apoio ao professor no processo de aferir se o aluno está
aprendendo e desenvolvendo suas habilidades. “Ela possibilita tornar o
aprendizado do aluno visível”, reforçou Nunes, destacando a contribui-
ção da tecnologia para dar transparência às produções dos estudantes e
abrir espaço, a partir daí, para uma intervenção mais individualizada
do professor. O próximo passo no terreno do ensino híbrido, adicionou,
seria adaptar a abordagem metodológica, tornando-a mais significativa
para os alunos.
Todavia, para ser aproveitado em potência máxima, o ensino híbrido
precisa de capacidades, habilidades e engajamento – tanto de professores
quanto de alunos –, ao lado de amplo acesso à internet. “Não basta a se-
cretaria definir metodologia e dispor de plataforma. É preciso que os
professores dominem as ferramentas que têm disponíveis, para que con-
sigam enxergar seu potencial e perceber se elas são realmente eficientes
para aquilo que estão planejando”, disse Carmem. Não é o fato de ter
uma ferramenta ou portal de conteúdos que vai fazer com que os alunos
estudem e colaborem, complementou. “Esse engajamento deve ser cons-
truído diariamente por meio de metodologias”, afirmou a assessora.

OS PROFESSORES E SUAS REDES
Para que os professores consigam realizar seu trabalho da melhor for-
ma possível nesses tempos de pandemia, as redes de ensino estão se mo-
bilizando para oferecer formação específica, além de articular dinâmicas
de troca entre os educadores.
Seja com ações com maior centralidade, como ocorre em Minas Ge-
rais, ou com maior autonomia para as escolas, como no caso do Rio
Grande do Norte e do Espírito
Santo, no que tange à estrutu-
ração de conteúdos e da carga
horária de ensino, é esperado
que as secretarias de Educação
compareçam com orientações
e o apoio necessário – às esco-
las, aos professores e aos alu-
nos – para o avanço do ensino
hí brido.

DEZEMBRO 2020 Espaço Institucional 25


Ensino híbrido: a nova fronteira do ensino formal


I


mpulsionado por epidemias anteriores à
Covid-19 na região da Ásia-Pacífico, o en-
sino híbrido já vinha ganhando força no
mundo, o que se acentuou com a pandemia
do novo coronavírus. Vários conhecimen-
tos têm sido sistematizados a respeito:


  • “Aprendizagem combinada para ensino
    superior de qualidade: estudos de caso
    selecionados sobre a implementação da
    Ásia-Pacífico” (2017), relatório assinado
    pela Unesco (em inglês).

    • “Cinco lições para a educação escolar no
      pós-Covid-19” (2020), por Bento Duarte
      da Silva.

    • “Empoderando professores para prover
      ensino híbrido naw reabertura das esco-
      las na Malásia” (2020), registro de prá-
      ticas preparado pelo Unicef (em
      inglês).

    • “Tecnologias e ferramentas para o ensi-
      no híbrido” (2020), artigo de Alekya
      Chalumuri (em inglês).




SAIBA MAIS SOBRE ENSINO HÍBRIDO


1 Ver Observatório de Educação,
Planejamento de Rede: pandemia exige
flexibilidade, 28 set. 2020.

.
Free download pdf